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Ah! A Ucrânia, a Ucrânia!

Ao ler, a ver e a ouvir as notícias acerca da guerra e das graves consequências económicas que pressagiava, até podíamos ter ficado com a ideia de que estávamos perante um novo “jogo de estratégia” que teria como finalidade ocupar terreno (ou castelos, ou pontos estratégicos) no mapa do jogo e, pelo caminho, ir recolhendo as prendas que estavam disponíveis para os mais hábeis, experientes ou sortudos.

A época em que vivemos, banalizou os jogos de computador e está a dar-nos a sensação de que tudo se passa num mundo virtual em que as personagens que lá se movem (ou que nós fazemos mover) têm , sempre, o recurso a mais do que uma vida (desde que o jogador as possa comprar) e que os eventuais prisioneiros, feridos (homens e cavalos…), passado um tempo, ou gasto as suficientes moedas/créditos que tenhamos acumulado, sairão livres e curados, prontos para continuarem no jogo.

Os filmes de acção mostram-nos drones assépticos, distantes, não tripulados que fazem o trabalho sacrificial que antes era feito pelas infantarias, cavalarias ou aviação de guerra. Ciberataques que paralisam a economia, mas que, em princípio, de imediato, não causam mortes. Ou seja, a guerra, julgam alguns, faz-se sem sangue e sem danos de maior. Por vezes, com “danos colaterais”, expressão que varre para debaixo do tapete cenas mais aflitivas a olhos mais sensíveis e a sensibilidades cada vez menos usuais.

Os noticiários das televisões reportam o que parece ser o andamento desses jogos.

Os múltiplos comentadores desdobram-se em tiradas filosófico-políticas ou exotérico-económicas. De vez em quando, aparece alguém que parece exprimir uma preocupação genuína, mas é, frequentemente, arrastado na corrente principal que desagua nos costumados discursos de facção.

A grande preocupação é a “turbulência dos mercados”, a possível escassez de determinados bens alimentares, a inflação (que pode chegar aos 5.1% na zona euro) ou a subida de preços dos combustíveis fósseis e de outros bens de “primeira necessidade”.

Discutiu-se a estratégia de Putin (ou a possível resposta de Biden) as posições (ou a ausência delas…) da União Europeia, o possível aumento de sanções à Rússia, o envolvimento da China, a aparente apatia dos líderes (?) europeus (ou a sua reacção “rápida e firme”) no mesmo tom em que se discutem os resultados dos jogos de futebol do último fim de semana.

Trump regressou da tumba para dizer mais umas asneiras. O Reino Unido prometeu apoio militar. A União Europeia e a NATO, jogam ao jogo do empurra. O nosso Guterres, qual rainha de Inglaterra, diz que a ONU vai apoiar todos os esforços para resolver a situação, sem derramamento de sangue…

A Federação Russa, pela mão do experiente Putin (que acaba de reconhecer a independência de Donetsk e Luhansk, no leste do país), desde 2014, vem preparando a actual situação com manifestações de grupos russos ou pró-russos nos “oblasts” de Donestsk e Luhansk, na região da bacia do rio Donets, na sequência da chamada Revolução Ucraniana de 2014 e do movimento Euromaidan (hashtag do Twitter, que começou na noite de 21 de Novembro de 2021) apoiados pela Rússia e tendo como pretexto a alegada corrupção, do governo liderado então por Viktor Yanukovytch, abuso de poder e desrespeito pelos direitos humanos na Ucrânia.

Não nos esqueçamos o que aconteceu na Crimeia.

As causas remotas que espoletaram os protestos, foram as condições draconianas do empréstimo do FMI e o gorado Acordo de Associação com a União Europeia (em Novembro de 2013).

Putin pôs na prática, com a desfaçatez que se lhe reconhece, um plano há muito preparado. Atacou em diversas frentes, com a ajuda dos parceiros da Bielorrússia e a conivência de Donestsk e Luhansk, durante a madrugada, e neutralizou o quase inexistente plano de defesa ucraniano.

Ouviu-se, de imediato, aumentar o clamor internacional, enquanto a Federação Rússia dispunha as suas pedras no tabuleiro de xadrez da guerra.

E a Ucrânia? O povo ucraniano? Na Ucrânia, os ucranianos, estão a sentir na pele, para além do sofrimento de meses, de anos de insegurança e medo, os ataques soezes por terra e por ar, e o convite do atacante para que deponham as armas.

Volodymyr Zelenski, chefe de estado e o comandante-em-chefe das Forças Armadas que tinha declarado o Estado de Emergência, e mandado mobilizar reservistas, acabou por declarar a Lei Marcial.

Enfrenta, agora, isolado, apesar das boas intenções de quase toda a gente, uma guerra cujo desfecho é imprevisível.

A guerra voltou, novamente, à Europa, sem que haja, aparentemente, solução à vista.