E que tal decidir em função do superior interesse das nossas crianças?
Estará o Governo Regional a ir para além do que são as suas competências e a procurar obrigar as famílias à vacinação, usando desta forma as crianças para tornar obrigatório o que não é?
Meio termo é algo que o Governo Regional da Madeira parece desconhecer em várias matérias, mas principalmente no que diz respeito às medidas de combate à Covid 19. Com a arbitrariedade e prepotência que lhe é característica, passou rapidamente do 80 ao 8, do financiamento da testagem maciça da população, para o financiamento da testagem de praticamente ninguém, mesmo quando exige a testagem de determinados grupos de pessoas que, para acederem a um direito, têm de pagar por isso.
É o caso das crianças não vacinadas à Covid-19. Desde o passado dia 3 de fevereiro que estão impedidas de acompanharem as visitas de estudo e de frequentarem as atividades extra-escolares em que estão inscritas se não fizerem o teste semanal à Covid-19, pago pela família.
Aqui não está em causa ser-se a favor ou contra as vacinas. Essa determinação cabe às famílias e a quem as aconselha, nomeadamente pediatras. Aqui o que está em causa é outra coisa: o cumprimento, por parte do Governo Regional, do direito destas crianças frequentarem todas as atividades planeadas pelas suas escolas, como é o caso das visitas de estudo e o direito de continuarem a usufruir das atividades extra-escolares que frequentavam até aqui, como é o caso do desporto, das línguas, das artes performativas e artes plásticas, atividades importantes para o seu desenvolvimento integral.
Esta decisão do Governo Regional dificulta claramente o cumprimento destes direitos ao sobrecarregar as famílias com uma despesa extra semanal de cerca de 15 euros, ou seja, mais 60 euros mensais para além da mensalidade habitual das atividades. E isto se pensarmos em famílias com apenas uma criança. Esta despesa exigida pelo Governo Regional aumenta consoante o número de crianças pertencentes ao mesmo agregado familiar.
Esta decisão nem sequer é cientificamente relevante, na medida em que uma criança que faça a testagem para ir ao treino na segunda-feira pode não continuar negativa na quinta-feira ou na sexta-feira. A verdade é que a validade semanal da testagem é um critério político do Governo Regional, não é um critério cientificamente determinado. Por exemplo, no Continente, o mesmo tipo de teste tem a validade de 24 horas, exatamente porque apenas atesta que naquele momento a pessoa que o faz está negativa. Portanto, na base desta decisão do Governo não está a necessidade de garantir a segurança das outras crianças e pessoas adultas, de outro modo, a testagem não seria apenas semanal e estender-se-ia também à frequência das escolas. Resta-nos questionar os verdadeiros motivos para esta discriminação. Estará o Governo Regional a ir para além do que são as suas competências e a procurar obrigar as famílias à vacinação, usando desta forma as crianças para tornar obrigatório o que não é?
Certo é que esta medida discriminatória adotada pelo Governo Regional – e que prejudica ainda mais as famílias que não têm possibilidades financeiras ou que não conhecem as pessoas certas para serem graciosamente dispensadas de o fazer – viola muito claramente a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, nomeadamente o artigo 3.º, que determina que «Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança». Este princípio também está presente no artigo 24.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Ainda em relação à Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, esta decisão do Governo Regional também desrespeita o artigo 31.º:
«1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito de participar em jogos e atividades recreativas próprias da sua idade e de participar livremente na vida cultural e artística.
2. Os Estados Partes respeitam e promovem o direito da criança de participar plenamente na vida cultural e artística e encorajam a organização, em seu benefício, de formas adequadas de tempos livres e de atividades recreativas, artísticas e culturais, em condições de igualdade.»
Em síntese:
Esta decisão não está sustentada em critérios científicos;
Esta decisão discrimina objetivamente um grupo de crianças;
Esta decisão contribui para uma maior desigualdade, nomeadamente em relação às famílias financeiramente mais fragilizadas;
Esta decisão desincentiva a frequência de atividades que contribuem para o desenvolvimento e capacitação das crianças que residem na Madeira;
Esta decisão viola compromissos internacionais assumidos por Portugal e os quais a Região também está obrigada a respeitar.
Esta semana, na Assembleia Legislativa da Madeira, o PS-Madeira apresentou uma proposta que propunha a correção deste erro político do Governo Regional. Mas a bancada do PSD/CDS demonstrou que não está sensível a esta desigualdade e discriminação que afeta as crianças não vacinadas:
Considera que é um problema «insignificante», isto é, que não é importante que as crianças não vacinadas sejam privadas de visitas de estudo e de atividades extra-escolares porque o Governo obriga à testagem mas não a financia;
Considera razoável exigir que as famílias paguem cerca 60 euros mensais para conseguirem cumprir essa exigência do Governo Regional.
Considera que é demasiado caro que o Governo Regional financie a testagem destas crianças, porque a nossa Região é pobre.
Ao mesmo tempo, considera que é perfeitamente razoável que as famílias da Região pobre paguem 15 euros por cada testagem que é exigida pelo Governo Regional.
Neste momento não interessa se o objetivo do Governo foi o de tornar obrigatória uma vacinação que oficialmente não o é. O facto é que esta foi, é uma decisão política que, para além de não respeitar acórdãos assumidos pelo Estado Português a que o Governo Regional também responde, objetivamente prejudica as nossas crianças, criando desnecessariamente mais desigualdades numa região que já sabemos que é uma das mais desiguais do País.
A bancada PSD/CDS votou contra a proposta. Foi incapaz de decidir em função dos interesses das crianças. O Governo prolongou a exigência de teste para as crianças não vacinadas à Covid-19 até 15 de março.