“Chega” de populismo
O debate das ideias é fundamental para remeter a dimensão dos populismos ao tamanho que têm, que é pouco
1. Disco: será sempre difícil, a Eddie Vedder, fazer melhor do que fez em “Into the Wild”, a banda sonora do filme com o mesmo nome. Mas, este “Earthling”, ouve-se muito bem. O “frontman” dos Pearl Jam homenageia Tom Petty, Bruce Springsteen, o seu grande amigo Chris Cornell e conta com as participações de Elton John, Stevie Wonder e Ringo Star. Bom som para ouvir durante a semana.
2. Livro: “A Arma Perfeita”, de David E. Sanger, é um livro de uma actualidade alarmante. Um novo campo de batalha emerge, neste mundo cada vez mais tecnológico em que vivemos: o digital. A ciberguerra, é já uma realidade. Os ataques a grandes empresas e a governos, sucedem-se. Como é que as leis da guerra se aplicam ao ciberespaço? Com o que tem acontecido nos últimos anos, não temos todos a percepção de que países como a Rússia, a Coreia do Norte, estão altamente empenhados neste género de guerra e que o ocidente demora a reagir? Algumas respostas podem ser encontradas, neste excelente livro.
3. Convenhamos que a democracia liberal, tal qual a conhecemos, já viu melhores dias. Elites, tecnocracia sem sentido ou utilidade, demagogia barata, burocracia, corrupção, nepotismo e amiguismo, partidarites que impossibilitam o diálogo, incapacidade de resolver problemas, o fechar, ao invés de se abrir, a mecanismos mais participativos e deliberativos, onde todos se sintam envolvidos, elementos tão necessários a uma sociedade pluralista e tolerante. É o que temos.
De um lado o “povo” e do outro o “establishment”, o poder. Aproveitando-se desta divisão, surgem partidos como o Chega, que se aproveitam do descontentamento, dizendo o que os insatisfeitos querem ouvir, nem que isso seja agora uma coisa e, daqui a meia hora, outra. Ao contrário de algumas pessoas que prezo, não tenho por lógico a procura insana de integrar no sistema quem se afirma como seu inimigo. Também não subscrevo a cerca sanitária que alguns querem montar à volta “daquilo”.
O populismo alimenta-se da divisão. O “nós” e o “eles”. Os “portugueses de bem”, e os outros, que não prestam para nada. A superioridade moral da democracia liberal está, precisamente, no facto de os permitir, de permitir os extremismos, quando o contrário nunca sucederia.
O combate, o bom combate, tem de ser centrado em três vertentes: educação, cultura e informação; melhoramento dos mecanismos de participação democrática; e a luta das ideias.
A escola, a educação, têm um papel fundamental na transmissão de conhecimento que permita, às pessoas, perceberem onde e como vivem. Que lhes dê ferramentas que permitam aferir da verdade, pois os populismos alimentam-se de mentiras, meias-verdades e factos distorcidos.
Não tem sentido combater quem questiona os mecanismos da democracia, com medidas não democráticas. Há outras maneiras pelas quais, a raiva generalizada “anti-establishment”, pode ser direccionada sem se ramificar em democracia iliberal ou liberalismo antidemocrático — que também o há.
Não nos podemos deixar dividir pelo antipluralismo alimentado por medos irracionais. Temos de, no imediato, começar a considerar que a democracia é muito mais do que apenas partidos políticos e eleições. Inovar a democracia, envolvendo os cidadãos nos processos de tomada de decisão, criando mecanismos que vão muito para além da farsa da discussão pública de projectos de interesse comum.
Num número crescente de países, têm sido criados mecanismos de participação, como júris e painéis de referência de cidadãos que permitem, aos políticos eleitos, tomarem decisões de modo mais democrático. Cidadãos seleccionados aleatoriamente reúnem diversas vezes para debater, depois de devidamente informados, de modo que possam concluir em conjunto e fazer propostas com recomendações sérias. É possível, assim, tomar decisões públicas confiáveis e democráticas que representem a vontade informada do povo.
Tem de haver vontade de reconhecer que, mudanças estruturais profundas nas nossas instituições democráticas, são necessárias para atender às necessidades da cidadania. O risco de perder o compromisso da comunidade com a democracia é grande e, em alguns lugares, já está em andamento. As inovações democráticas não são uma bala de prata apontada ao coração destes verdadeiros “vampiros”, mas são uma forma de reconciliar e reeducar as pessoas para a democracia.
Aqueles, de entre nós, que se opõem ao populismo, nunca vencerão o debate com argumentos simplistas como “vocês estão errados”. O debate deve ser feito, no campo da refutação do argumentário básico que utilizam, com os bons argumentos que assistem, sempre, a quem defende a democracia. O debate das ideias é fundamental para remeter a dimensão dos populismos ao tamanho que têm, que é pouco.
Não chegámos aqui para deitar tudo fora. Edmund Fawcett, no seu “Liberalism, The Life Of An Idea”, que urge traduzir para português, escreveu (tradução livre): “o reconhecimento do conflito ético e material é inevitável, a desconfiança do poder, a fé no progresso humano e o respeito pelas pessoas, o que elas pensam e o que querem ser, são princípios pelos quais milhões lutaram e morreram durante séculos. Os princípios da democracia liberal devem ser defendidos e não devem ser tidos como garantidos”.
É responsabilidade de todos, os que amam a democracia, as liberdades que ela permite, o poder escolher alternativas, o direito de participar e contestar, a igualdade perante a lei e o seu primado, é responsabilidade de todos, dizia, o lutar para melhorá-la e assim consolidá-la.
Pela minha parte, estarei sempre pronto a debater com os populistas, tentando desmontar-lhes os argumentos e revelar as falsas verdades alternativas. Não podemos ignorar que representam parte de uma opinião pública que é real. Ignorá-los, reforça a sensação, de quem os apoia, da razão que não têm e de que são desprezados pelos políticos tradicionais. Reconheço, no entanto, que o debate civilizado é difícil, pois os populistas refugiam-se por detrás de “factos alternativos” e informações falsas. Concentram-se em detalhes, ignorando o todo. E na pressa, a que os dias que vivemos quase nos obrigam, isso é uma vantagem. A argumentação de um populista é linear e desestruturada. O insulto é recorrente e serve para manipular o oponente, tentando que este desça o nível do debate para a chafurdice, onde tão bem se sentem. Em vez de ficarmos obcecados com as mentiras e falsidades populistas, temos de nos concentrar em abordagens directas, em relação aos temas em discussão. Sejamos o “adulto na sala”.
É preciso fazer uma distinção entre os líderes do Chega e o seu eleitorado. Muitas das pessoas que votam neste partido, fazem-no por frustração e insatisfação, porque querem soluções rápidas e radicais. Temos que procurar compreender estas frustrações e convencê-los de que, a solução para os problemas que enfrentamos, deve ser calma e pragmática.
Com o tempo, os populismos acabam por se devorar de dentro para fora. Porque estamos atrasados no processo, que noutros países europeus começa a estar controlado, será bom que tenhamos a humildade de aprender com os sucessos e fracassos de outros e ajudar a democracia a recuperar o terreno político perdido para a raiva, para o medo, para a frustração, palavras que não podem ter nada a ver com o exercício da política.
4. “O facto de muitos políticos de sucesso serem mentirosos não é exclusivamente um reflexo da classe política, é também um reflexo do eleitorado. Quando as pessoas querem o impossível, somente mentirosos podem satisfazê-las” - Thomas Sowell