A água sempre busca o que é seu
Dá para entender a construção e/ou reconstrução de habitações junto a terrenos que sofreram deslizamentos de terras?
As imagens desta semana sobre o deslizamento de terras em Petrópolis, na cidade do Rio de Janeiro, fizeram-nos recordar o 20 de fevereiro na nossa cidade. Faz hoje precisamente 12 anos. E o que aprendemos? Mudamos alguma coisa na nossa forma de pensar sobre os investimentos públicos ou privados a fazer nos terrenos junto às ribeiras?
Historiadores, geólogos e biólogos identificaram já as maiores zonas de risco na nossa Região. Durante todo o tempo de povoamento da ilha estão registados momentos trágicos das aluviões na nossa terra e os locais onde ocorreram.
Há 12 anos, discutiu-se sobre a necessidade de termos atenção redobrada sobre os efeitos das alterações climáticas nos nossos terrenos, bem como da necessária atenção à orografia dos mesmos. Discutiram-se soluções naturais e sustentáveis para diminuir o impacto das aluviões na nossa terra. O povo sabiamente diz que “a água sempre vai buscar o que é seu”. Mas parece que a memória é curta. Muito curta por sinal. E nem as notícias do que acontece noutros locais do mundo parecem fazer-nos acordar.
O que pensar da análise de alguns especialistas de que as obras realizadas de regularização do leito das ribeiras não resolveram o nosso problema de segurança? De que o risco não diminuiu? Lembram-se dos alertas feitos por ocasião das obras de regularização das ribeiras de que se estava intervindo a jusante, mas a montante os problemas se mantinham? Qual o estado dos terrenos das nascentes das ribeiras que desaguam no Funchal? Como está a nossa floresta? Qual o estado dos terrenos das serras altas do Funchal? Como estão os cursos das ribeiras no seu percurso antes de chegarem às obras megalómanas que se fizeram no centro do Funchal onde o que mais se evidencia é o cimento?
E já agora, já repararam que, após as obras de regularização das ribeiras, subiu a temperatura na cidade no Verão? Porque não se aproveitou o conhecimento dos arquitetos paisagistas para procurar soluções naturais para melhorar a vida na nossa cidade, tornando-a mais bela e evitando a subida de temperatura causada por tanto cimento?
Periodicamente há registos de enchentes nos mesmos lugares – Funchal, Ribeira Brava e Machico. Os registos históricos mostram os terrenos mais seguros e os que constituem maior risco para a população.
Lembro-me em particular de um alerta feito sobre os terrenos no início da Ribeira de Santo António, da sua instabilidade, da análise histórica das cheias registadas naquela zona e da análise das construções realizadas naquele local nos últimos anos.
Pessoalmente, não entendo porque negligenciam tanto conhecimento.
Não consigo compreender a reconstrução de habitações quase no leito das ribeiras, onde, no passado, a água foi buscar terreno que era seu. Antes de qualquer investimento, é necessário ter em consideração o leito das ribeiras durante as cheias. Por isso, uma pergunta se coloca - caso voltemos a registar o volume de água semelhante ao registado a 20 de fevereiro de 2010, as obras efetuadas ficam em risco? Se sim, irresponsabilidade de quem autorizou.
Dá para entender a construção e/ou reconstrução de habitações junto a terrenos que sofreram deslizamentos de terras? E porque deslizaram as terras e as suas construções? Os terrenos são instáveis? Quem garante a segurança das obras realizadas?
É certo que há responsabilidade governativa em todas as decisões de autorização de construção, mas também cabe a cada um de nós pensar sobre a nossa segurança antes de fazer qualquer investimento. Em alternativa, sou pela construção de habitação social a custos controlados de forma a garantir um ordenamento do território seguro para as pessoas.
Da mesma forma, defendo que o investimento de dinheiros públicos em infraestruturas deve ter em consideração a área envolvente e a natureza dos terrenos em volta para que não se gaste dinheiro em vão.
E seguramente, entre gastar dinheiro para um teleférico para o Curral das Freiras e a criação de uma infraestrutura alternativa de acesso àquela localidade, ou de limpeza de escarpas em tantos outros locais da ilha que apresentam sinais de perigo para a segurança da população, ou mesmo de melhoria das condições hospitalares da Região ou dos Centros de Saúde, claramente sou de opinião por todas as outras opções. A diferença na opção escolhida reflete os valores e princípios pelos quais cada um se rege.
Claramente quando se tem vontade política para realizar algo, faz-se. Quando não se tem, engonha-se, empurra-se com a barriga até vésperas de eleições, pois as promessas não cumpridas sempre rendem mais uns votos.
Por isso, caro leitor, vamos aprender com o que o mundo nos ensina. Vamos ser responsáveis e prudentes. Aprendamos a pensar. Esta semana foi no Brasil, mas, num futuro, podemos ser nós outra vez. Por isso, pense antes de investir e exija segurança de quem nos governa.