Os sobreviventes
Esta semana, uma proposta consubstanciada num relatório apresentado ao Parlamento Europeu, visava o desenvolvimento de uma estratégia para erradicar aos poucos o consumo de vinho e que pretendia começar por obrigar as marcas a inserir nos seus rótulos mensagens alarmistas, sob o pretexto de que até uma simples gota pode aumentar o risco de desenvolvimento de cancro. Essa mesma proposta, acerrimamente defendida pela deputada madeirense Sara Cerdas, foi votada precisamente na mesma semana em que foi dada conhecer a lista dos melhores vinhos portugueses do ano pela “Revista dos Vinhos” e que consagrou o madeirense “Listrão dos Profetas” do conterrâneo Nuno Faria e do reconhecido enólogo António Maçaneta como um dos 30 melhores vinhos e o primeiro da Região Autónoma nessa categoria. Se no mundo contemporâneo em que vivemos existem variadíssimas formas de distinguir pessoas e intenções, este é um exemplo paradoxal da dicotomia existente entre aqueles que por cá andam para construir, para desenvolver e produzir e os outros que vão aparecendo cada vez em maior número, cujo objectivo é impor formas de vida, limitar as nossas escolhas e destruir tudo aquilo que conquistámos.
Numa era em que se coloca a exigência cega da igualdade à frente de conceitos até então inalienáveis como o da liberdade vão nos tentando fazer crer que é criminoso tentar ser-se melhor, é ostensivo uma pessoa ser bonita, é abusivo querer ganhar mais dinheiro e ganha assim palco a necessidade de desenvolver um clima de descriminação positiva para que as ditas minorias possam ter mais ferramentas para lidar com o futuro, acima de todos os outros. Vemos antirracistas mais racistas do que os racistas, antifascistas mais fascistas que os próprios e uma dialética de pensamento único que um determinado clube de fundamentalistas, vindos das mais diversas áreas políticas e sociais, nos querem incutir de forma coerciva, disfarçado de boas intenções e da percepção errada de uma sociedade em que de um lado estão os bons e do outro os maus. De um lado estão os coitadinhos e do outro os monstros. E o problema ganha maiores dimensões porque atrás deles aparecem muitos outros, cativados pelas aparentemente celestiais boas intenções e se submetem ao politicamente correto navegando na onda da intolerância, das proibições e da perigosa censura a tudo o que possa colocar em causa essa forma de estar e de pensar.
É o ataque feroz à nossa história, deitando abaixo estátuas e monumentos, muito à semelhança da queima de livros na Alemanha de Hitler ou a narrativa generalizada de que um branco, independentemente das suas ações terá que carregar para sempre o peso da culpa por ser branco ou que um heterossexual tem que se sentir menorizado só pela construção de uma nova identidade de género mais diversificada e plural quando todos deveríamos ser aceites da mesma forma. Esta necessidade imperiosa de nos quererem obrigar a sermos diferentes, ( quase em jeito de vingança ), que o igual em diversas matérias já não faz sentido ou se encontra inadequado aos novos tempos ou que o conceito de família morreu, surge alimentada por preconceitos e desenvolve-se ao ponto de nos termos que colocar em causa ou de termos que nos sentir sujos apenas por nascermos assim. Não é só em relação ao vinho que eu dei como exemplo, no género ou na raça, é nas mais pequenas coisas do dia a dia. Querem proibir o tabaco, as carnes, o sal o açúcar e tudo que na sua ( deles ) opinião faça mal. Como se tudo na vida se resumisse aos critérios de alguns e como se as nossas escolhas pessoais enquanto indivíduos não valesse para nada.
Ainda há poucos dias escrevi que enquanto os cientistas trabalham afincadamente no desenvolvimento da inteligência artificial nós vamos sendo robotizados da forma mais natural que existe. Através do pensamento e da imposição de formas de estar e de viver. Querem determinar tudo o que podemos ou não fazer e transformar-nos em seres iguais, sem vontade própria e sem qualquer interesse. Não conseguem perceber que a desumanidade não tem sexo, nem cor. De repente uma escritora branca é censurada por traduzir um livro de um escritor negro, os anões desaparecem da sequela da Branca de Neve para não ferir susceptibilidades e os heróis da banda desenhada ganham novas formas para criar um retrato mais inclusivo. Esquecem-se da velha máxima do “não devemos fazer aos outros o que não gostamos que nos façam a nós” e cavalgam numa espiral incendiária colocando tudo em causa em nome de teorias fundamentalistas.
Já dizia Winston Churchill que “quando as águias estão caladas os papagaios começam a tagarelar”. É por isso que os sobreviventes a estes estados de alma, os que só querem viver a vida e que a vivem numa ótica positiva devem prestar o seu contributo para que se comecem a pôr em causa conceitos que fazem perigar o equilíbrio da nossa sociedade. Custou muito chegar onde chegámos, para conquistar certos direitos e agora permitirmos que tudo seja posto em causa em nome da intolerância, da radicalização do discurso e do combate feroz à nossa cultura e formas de viver. A pergunta que fica é até quando vamos permitir que nos manipulem desta forma e o que estaremos dispostos a abdicar no futuro para continuarmos confortavelmente sentados no sofá a assobiar para o lado enquanto outros vão determinando o que podemos ou não fazer. “ Os impérios do futuro serão os impérios da mente” e é nessa esfera que a discussão terá que ser feita, agora. Sem tempo a perder.