Madeira

Nova legislação abre um ciclo novo no combate à corrupção, diz Ireneu Barreto

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Foto Rui Silva/ASPRESS

"Quero começar por saudar a realização desta Jornada de reflexão, que me parece de imensa oportunidade, pela actualidade dos temas que propõe, reunindo um grupo de tão competentes especialistas. (...) O tema é de extrema pertinência. Na verdade, é das matérias mais relevantes para um povo como comunidade política, na medida em que a corrupção e crimes afins constituem um desvio à igualdade de oportunidades, que é pedra de toque de qualquer sociedade organizada". Assim começou a intervenção de Ireneu Barreto, Representante da República, no âmbito da Conferência do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, que decorre esta sexta-feira no Parlamento madeirense.

A corrupção está entre os fenómenos sociais que mais mina a confiança entre os cidadãos. Mas a corrupção destrói também a confiança dos cidadãos nas instituições, sendo esta a sua faceta mais discutida. Neste domínio, releva a conduta dos servidores públicos e, em especial, dos titulares de cargos políticos e dos assim designados altos cargos públicos.  A corrupção, em tal contexto, provoca efeitos ainda mais perniciosos, acicatando a percepção de que a lei não é igual para todos. Ireneu Barreto, Representante da República

Neste sentido, Ireneu dá um passo em frente e considera que a legislação recentemente publicada abre um ciclo novo no combate à corrupção e crimes afins.

Sabendo que o fenómeno da corrupção ofende a essência da democracia e os seus princípios fundamentais, designadamente os da igualdade, transparência, livre concorrência, imparcialidade, legalidade, integridade e a justa distribuição da riqueza, como se realça no preâmbulo do Decreto-Lei nº 109-E/2021, de 9 de Dezembro, a questão a que urge responder prende-se com a justeza, o equilíbrio e a proporcionalidade das soluções agora consagradas, que constituem também uma vertente fundamental da sua conformidade constitucional. Ireneu Barreto, Representante da República

Algumas delas, diz o Representante da República, "como a delação premiada, poderão chocar por resultados eventualmente imorais decorrentes da sua aplicação concreta: pense-se na hipótese de o indivíduo mais importante de um esquema criminoso denunciar os outros participantes para beneficiar de uma isenção de pena".

Mas, mesmo assim, a esta figura, já experimentada noutros sistemas jurídicos, "deverá ser dada a oportunidade de mostrar a sua eficácia, esperando que os seus eventuais efeitos mais controversos possam ser minimizados pela ponderação dos magistrados judiciais e do Ministério Público que tiverem de os analisar".

Inquietação perante a figura do “enriquecimento ilícito” e da solução finalmente consagrada

Por outro lado, Ireneu Barreto manifestou a sua "inquietação" perante a figura do “enriquecimento ilícito” e da solução finalmente consagrada.

Lembra que Portugal ratificou, a 28 de Outubro de 2007, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que preconiza classificar como infracção penal “o aumento significativo do património de um agente público para o qual ele não consegue apresentar uma justificação razoável face ao seu rendimento legítimo”. Ao ratificar esta Convenção, Portugal obrigou-se a consagrar como crime tal situação.

Todos nós conhecemos as dificuldades encontradas para definir a tipicidade de tal crime através de uma lei certa, clara, precisa e previsível e que respeite o princípio da presunção de inocência, conjugado com o direito ao silêncio e ao de não contribuir para a sua auto-incriminação. Perante esta dificuldade, alguns Estados não admitem a criminalização do enriquecimento injustificado, esperando que outros instrumentos destinados a combater a criminalidade económica possam suprir essa lacuna. Ireneu Barreto, Representante da República

Salvo maior aprofundamento, Ireneu Barreto diz entender que a solução encontrada não colide com aqueles princípios estruturantes, a dois níveis.

Primeiro, afigura-se-me que a “tipicidade” está assegurada com a descrição precisa de uma situação objectiva: o aumento significativo de património. Segundo, a presunção de inocência; aqui residirá a maior dificuldade, quando se exige que o visado justifique a origem do aumento dos seus rendimentos. Mas, em democracia, com excepção de alguns direitos fundamentais ligados à dignidade da pessoa humana, não há direitos absolutos; todos podem sofrer restrições para harmonizá-los com outros interesses ou direitos merecedores de igual ou superior protecção, o que remete para uma ponderação ao abrigo do princípio da proporcionalidade. Ireneu Barreto, Representante da República

Depois de outras considerações sobre esta temática, tocando ainda no "direito ao silêncio e o de não contribuir para a sua própria incriminação", admitiu ainda que há algumas dúvidas sobre como este novo esquema funcionará na prática e quais serão os resultados que dele se poderão obter ao nível da transparência na Administração Pública.

Mas é uma batalha que merece ser travada ainda que os resultados venham, a final, a ser pouco significativos. Ireneu Barreto, Representante da República

Ireneu Barreto terminou a intervenção desejando os maiores sucessos a estas Jornadas, "pois o tema em si e a situação do nosso País assim o merecem e exigem".

O presidente da ALM, José Manuel Rodrigues, também já interveio na conferência.

"A corrupção é um dos males maiores dos nossos sistemas político e económico"

"A corrupção é um dos males maiores dos nossos sistemas político e económico, que corrói, gravemente, os alicerces da Democracia e atrasa o nosso desenvolvimento". Assim começou o Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, José Manuel Rodrigues, a sua intervenção na Conferência do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, que decorre hoje no Parlamento madeirense.