Brexit, identidade e investimento motivam descendentes de sefarditas a pedir nacionalidade portuguesa
Geoff Corre já tinha visitado Portugal para investigar as suas raízes sefarditas, mas foi após o 'Brexit' que decidiu candidatar-se à nacionalidade portuguesa.
"Nós pensamos que o nome da família era Correia. Nós temos um sentimento forte da herança sefardita: quando era criança ia à sinagoga Espanhola e Portuguesa, em Londres, e crescemos com estas tradições", relatou.
Na sinagoga Bevis Marks, os anúncios dos serviços são feitos em português e algumas músicas são em ladino, a língua baseada no espanhol medieval misturado com outras palavras.
Porém, foi a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) que levou este consultor de empresas no combate ao tráfico de pessoas a agir.
"Eu sinto-me europeu, quero ter um passaporte europeu. Eu não concordei com o 'Brexit' e penso que foi um erro e assim posso expressar a minha identidade como europeu", explicou à agência Lusa.
A família de Corre fez um percurso comum entre judeus britânicos: primeiro fugiu da Inquisição de Espanha para Portugal e depois refugiou-se nos Países Baixos até se instalar em Inglaterra no final do Século XVII, quando Oliver Cromwell decidiu abrir as portas aos judeus e deixá-los praticar livremente a religião.
"Também podia ter-me candidatado à nacionalidade espanhola, até porque falo a língua, que é um dos requisitos, mas penso que o sistema português era mais simples e simpático", disse.
Tal como Corre, o irmão, filho e sobrinhos candidataram-se à cidadania portuguesa e até a mulher, que não é sefardita nem judia, está agora a candidatar-se à nacionalidade portuguesa por via do casamento.
Também britânico, David Nabarro aguarda a conclusão do processo de naturalização em Portugal, país que visita há muitos anos como turista, apreciando as caminhadas à beira-mar entre Cascais e Estoril e os passeios em Sintra e Lisboa.
Iniciado há um ano, em janeiro de 2021, o pedido foi feito por uma "questão de identidade", numa forma de homenagear as raízes dos seus antepassados, mas a utilidade de um passaporte europeu não é ignorada.
"O 'Brexit' faz com que viajar seja um pouco mais complicado na Europa do que antes, por isso ter um passaporte da UE será bom", admite o septuagenário.
O processo tem sido oneroso, somando já perto de quatro mil euros em despesas com a obtenção de documentos, incluindo atestados de ambas as sinagogas em Portugal e Reino Unido, e os serviços de uma advogada no Porto.
"Aprendi uma palavra nova, apostilha, que permite um documento ser reconhecido pelas autoridades de outro país. É um bom negócio porque as pessoas em Londres que o fazem cobram várias centenas de libras", ironizou.
No entanto, este especialista em operações financeiras vê a nacionalidade portuguesa como um investimento.
"Como cidadão do mundo e de Portugal, como país que muito admiro, acho que será um presente para os meus filhos e netos, porque, presumivelmente, uma vez que eu tenha passaporte português, eles também o poderão pedir", confiou.
A lei da nacionalidade portuguesa em vigor desde 2015 visa conceder reparação histórica aos descendentes dos judeus expulsos da Península Ibérica durante a inquisição medieval, no final do século XV.
Segundo dados do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) e do Ministério da Justiça, Portugal já atribuiu a cidadania portuguesa a 56.685 descendentes de judeus sefarditas, tendo recusado 300 pedidos de naturalização entre 2015 e 2021.