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Estudo nacional revela que mais de metade da população portuguesa não lê livros

Foto Shutterstock
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Mais de metade dos portugueses não lê livros, uma realidade que está fortemente associada à educação, já que muitos não têm memória de os pais alguma vez os terem levado a uma livraria ou lhes terem oferecido um livro.

As conclusões constam de um inquérito às práticas culturais dos portugueses, realizado nos últimos meses de 2020 pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), e hoje apresentado na capital.

Trata-se da primeira vez que é feito em Portugal "um amplo levantamento à escala nacional das práticas culturais dos portugueses em vários domínios da cultura", destacou o administrador da FCG, Guilherme de Oliveira Martins, afirmando que este estudo nasceu precisamente da necessidade de conhecer esta realidade, da necessidade de ter um "ponto de partida".

No que respeita aos hábitos de leitura, o inquérito revelou que, nos últimos 12 meses anteriores ao inquérito, 61% dos portugueses não leram um único livro em papel, e, dos 39% que afirmavam ter lido, a maioria leu pouco.

Quando questionados sobre a leitura de livros digitais, a percentagem desce ainda mais, com apenas um em cada dez inquiridos a responder que leu nesse suporte.

Segundo o estudo, o universo de quem leu constitui-se maioritariamente por pequenos leitores (27%, que leram entre 1 e 5 livros impressos), seguidos de médios leitores (7%, que leram entre 6 e 20 livros) e grandes leitores (apenas 1% leu mais do que 20 livros num ano).

A mesma relação se encontra entre a população leitora de livros digitais: 5% de pequenos leitores, 1% de médios leitores e 0% de grandes leitores.

Estes dados revelam uma descida nos hábitos de leitura face a 2007, de acordo com o "Inquérito à Leitura" realizado nesse ano, que registava uma percentagem de 55% de leitores de livros impressos.

Contudo, o "Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses 2020" chama a atenção para o facto de aquele estudo ter excluído as regiões autónomas, de a amostragem ter sido diferente e de o formato da pergunta de aferição dos leitores de livros impressos também ter sido distinto. Em contrapartida, o "Inquérito à Ocupação do Tempo", realizado em 1999 pelo Instituto Nacional de Estatística, "indicava apenas 31% de leitores de livros em papel".

As conclusões do presente estudo apontam igualmente para a existência de uma relação entre a educação e os hábitos de leitura, já que, na sua infância e adolescência, a maioria dos inquiridos não beneficiou de estímulos à leitura gerados em contexto familiar.

De acordo com os dados divulgados, a grande maioria dos inquiridos assume que os pais nunca os levaram a uma livraria (71%), a uma feira do livro (75%) ou a uma biblioteca (77%).

Por outro lado, 47% assumem que os pais nunca lhes ofereceram um livro e 54% afirmam que nunca lhes leram um livro de histórias.

No entanto, os mais jovens e aqueles cujos pais têm ou tinham qualificações académicas superiores reconhecem mais frequentemente esse apoio familiar, "dados que denunciam a persistência de assimetrias sociais na criação de hábitos de leitura, mas também sinalizam uma mudança": "a democratização do acesso à educação potencia ganhos culturais nas gerações sucessoras".

Um dos coordenadores do estudo, o investigador José Machado Pais, destaca a este propósito que "as práticas culturais se associam bastante às práticas de leitura", ou seja, um leitor de livros tem uma maior propensão a desenvolver outras práticas culturais, "de onde todos os investimentos feitos na sensibilização, no interesse pela leitura, como o Plano Nacional de Leitura são bem vindos".

"Todas as iniciativas tomadas em contexto escolar, familiar, associativo, nos media, todos são muito bem vindos, porque fomentar o interesse pela leitura significa fomentar o interesse pela cultura em lato senso", sublinhou.

Ainda sobre o papel da escola (com as visitas de estudo e os programas de incentivo à leitura, por exemplo), o responsável assinalou a sua relevância em contextos em que os jovens não beneficiam de socializações de âmbito cultural em contexto familiar.

Quanto às idades, é entre os mais jovens que se encontram maiores hábitos de leitura de livros impressos: 44% tinham entre 15 e 24 anos, 46% tinham entre os 25 e os 34 anos, 44% entre 35 e 44 anos, 33% andavam na casa dos 45-54 anos, 31% tinham de 55 a 64 anos, e 22% tinham 65 ou mais.

Proporção semelhante foi encontrada entre leitores de livros digitais, embora com índices muito inferiores, que oscilaram entre 17% e 1%.

Avaliando a relação entre as práticas de leitura e o grau de ensino são tanto maiores quanto o nível de escolaridade, atingindo os 68% entre os inquiridos com o ensino superior.

No que respeita às motivações de leitura, 68% dos inquiridos afirmam ler livros "por prazer", uma percentagem que se eleva entre os mais idosos e os de mais baixa instrução, já que "os que menos prazer retiram da leitura (43%) são os jovens dos 15 aos 24 anos, precisamente os que mais leem para estudar ou realizar trabalhos escolares (45%)".

As escolhas de leitura são fortemente influenciadas pelas redes sociais, com 43% das recomendações a surgirem dos círculos da família, amigos e colegas de trabalho; 16% de comentários de amigos nas redes sociais; e 10% de 'sites' e de redes sociais especializados na leitura e avaliação de livros.

O estudo revela ainda que as classes com inquiridos que mais livros leem são as que têm uma prevalência de jovens e de estudantes que também consomem bastante televisão e Internet, sobressaindo "uma forte associação entre práticas de leitura e usos de Internet de pendor cultural".

A este propósito, José Machado Pais referiu que há quem defenda que o aumento da oferta cultural em espaços digitais pode aumentar os níveis de práticas culturais, mas lembrou que 29% dos portugueses "estão desconectados", pelo que a medida teria "impacto zero" nesta faixa, e que há uma percentagem significativa que usa diariamente a Internet, mas não para atividades culturais.

Por isso, considera que tal medida poderia apenas "diversificar e ampliar os hábitos culturais de quem já os tem".

Os impulsos à leitura surgem, ainda, da exposição dos livros nas livrarias (17%) e das críticas em jornais ou revistas (16%), acrescenta o estudo.

O inquérito procurou também saber quais as preferências dos leitores quanto ao género literário, concluindo que o romance é o mais procurado, por 46% dos inquiridos -- logo seguido de História, com 24% -, e o Teatro, o menos lido, com apenas 2% de leitores habituais.

Outra conclusão a que o inquérito chegou foi que a procura pelo género "romance" aumenta com a idade, de forma inversamente proporcional à procura de livros de "crime, 'thriller' ou mistério", lidos predominantemente pelos mais jovens.

A poesia é o género em que os seus leitores assíduos se repartem entre os mais velhos (a partir dos 55 anos) e os mais jovens de todos (entre os 15 e os 24 anos).

Os livros de História encontram-se principalmente entre os portugueses de idade mais avançada, ao passo que o romance, os livros técnico-científicos e os de ficção científica envolvem mais leitores entre os 35 e os 44 anos.

O local preferencial para a leitura é a casa, com 98% de respostas, seguida da escola (9%), do local de trabalho (8%), de cafés (5%), transportes (4%) e bibliotecas (3%).

O inquérito foi realizado entre 12 de setembro e 28 de dezembro de 2020 a um universo de 2000 inquiridos com 15 ou mais anos de idade, residentes em Portugal continental e regiões autónomas.

O estudo foi coordenado por José Machado Pais, Pedro Magalhães e Miguel Lobo Antunes, numa equipa ainda composta por Emanuel Cameira, Jorge Rodrigues da Silva, Rui Telmo Gomes, Teresa Duarte Martinho, Tiago Lapa e Vera Borges, e tem como objetivo oferecer aos decisores políticos, às instituições culturais, aos seus gestores e aos artistas, "informação precisa para se compreender as práticas culturais dos portugueses".