A revolta da Madeira de 1931: um evento fotografável - II
FOTOGRAMAS
Nos vinte e oito dias que dura a revolta da Madeira iniciada a 4 de abril de 1931, foi possível, de acordo com Marco Gonçalves, numa publicação nas redes sociais do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s, “reunir a adesão da grande maioria dos partidos políticos locais, e formar um governo provisório onde o General Sousa Dias assumiu o Poder Executivo e Legislativo em acumulação com o Comando Militar da Madeira, secundado pelos coronéis Augusto Freiria (Chefe do Estado Maior) e Mendes dos Reis (Comandante das Forças), e ainda por Ferreira Camões (Delegado das Forças revolucionárias). Foram nomeados como Subsecretários, os cidadãos Dr. Manuel Pestana Júnior (Economia Pública) e Carlos Frazão Sardinha (Comércio e Comunicações). Entre as primeiras ações da Junta Revolucionária da Madeira, encontram-se medidas populistas como a revogação do decreto (da fome) 19.273, concessão de empréstimos à indústria de bordados, proibição de especulação sobre bens essenciais e ativação de mecanismos de defesa.”
Na medida em que a revolta da Madeira se inscreve no (último) ano de movimentações com saídas à rua de oposição política à ditadura, esta constitui-se como um evento “fotografável”. E assim o foi para Charles Courtney Shaw, oficial do exército britânico residente na Madeira desde a década de 1920, aqui diretor geral da firma Blandy Brothers & C.ª. Se visualizadas no conjunto de outras imagens da Madeira de sua autoria, produzidas entre a década de 1920 e a década de 1940, as imagens da revolta indicam precisamente isso. Ou seja, que o aparato público e militar da revolta a capacitam como acontecimento eminentemente fotografável, tornando-se um evento político também na medida em que tem capacidade de se constituir como uma imagem e acontecimento que circula, difunde e divulga fora da região. A esta revolta seguem-se pronunciamentos nos Açores, uma tentativa que não é bem sucedida em São Tomé e uma outra com sucesso na Guiné, prenunciando-se igualmente como acontecimento desestabilizador do regime em Portugal (embora tal não se venha a verificar), a proclamação da República em Espanha a 14 de abril. As tropas enviadas pelo regime para conter a revolta não eram particularmente fortes nem fracas, simultaneamente não se descurando “a segurança no Continente e assegurando-se a disciplina dos efetivos expedicionários”, refere-se no sétimo volume da História de Portugal (dirigida por José Mattoso), havendo dificuldades em que esta obtivesse na metrópole um eco desejado ao seu efetivo sucesso. Dito de um outro modo, a revolta não conseguirá ter uma circulação necessária à sua efetiva imposição nos horizontes e imaginários populares na metrópole enquanto imagem de um movimento a aderir para se superar a ordem político-social vigente. A figura do cão pacatamente deitado na imagem aqui reproduzida é, nesse sentido, uma espécie de alegoria à incapacidade de contaminação dos ímpetos e gestos dos militares em rebelião aqui retratados relativamente aos seus congéneres no Continente, apesar do conturbado ambiente popular e estudantil que ali então se fazia sentir.
Com o apoio do governo britânico e contando com a intervenção do cruzador inglês London na baía do Funchal, partem forças fiéis ao regime de Lisboa também a 7 de abril, comandadas pelo coronel Fernando Borges para dominar as revoltas, a que se seguem outras expedições a 24 e 25 do mesmo mês, comandada pelo Ministro da Marinha, Contra-Almirante Magalhães Correia e pelo Coronel Carneira. Refere-se no mesmo texto coordenado por Fernando Rosas do referido volume da História de Portugal que a “resistência, com evidente desvantagem de homens e, sobretudo, de material, para os revoltosos, prolonga-se até ao dia 2 de maio, quando a Junta Revolucionária se rende sem condições, sendo presos os seus chefes.”
Curioso a imagem fotográfica que ilustra a revolta da Madeira neste volume da História de Portugal, que data já de 1994, não ser uma das imagens de Shaw, mas uma outra proveniente do arquivo do jornal O Século referente ao embarque das tropas em Lisboa que contiveram a revolta. Este detalhe, aparentemente anódino, vem a meu ver reforçar a premência histórica de divulgação das imagens provenientes dos fundos fotográficos pessoais, locais e regionais para o exercício da pesquisa em história, desde logo. E num segundo momento, reforça a importância de se considerar a fotografia, em geral, não como mera ilustração gráfica, mas como testemunho e fonte em diálogo com a narrativa da história.
Ana Gandum
com a colaboração do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s.