Crónicas

O dinheiro não estica

A Comissão Europeia emitiu dívida, em nome de todos nós

1. Dizia, há dias, um conhecido, que não percebia porque é que, se o problema é a falta de dinheiro, não se imprimia mais. Fiquem já com esta de avanço: quanto mais dinheiro houver a circular, menor é o seu valor nominal. A partir deste pressuposto, tinha já matéria para escrever um livro. Mas não é esse o caminho que quero hoje percorrer.

Goste-se ou não, no assunto vertente, a escassez é uma mais-valia. Andar a imprimir dinheiro porque ele não chega e, assim, diminuindo-lhe o valor, é uma infantilidade económica pueril, é pensar que as nossas acções não têm consequências. A escassez aumenta o valor do produto. Seja ele uma nota de 20 euros ou uma garrafa de um bom vinho, do qual só se produziram mil garrafas.

Esta conversa toda, para chegarmos àquilo que interessa: o aumento do dinheiro em circulação, os “deficits” altos, tem como resultado mais inflação, uma coisa que nós, os mais velhos, nos recordamos bem, mas a maioria dos mais novos não tem, nem ideia, do que seja.

O novo dinheiro impresso e injectado no “mercado”, apoia-se no que já circula e diminui-lhe o valor. Cada nota de euro criada — muitas das vezes a criação de dinheiro é meramente virtual — faz com que o valor das outras notas desvalorize.

Estamos a pagar mais pelos géneros alimentícios que compramos? A gasolina aumenta de preço todas as semanas, por maiores que sejam os contorcionismos governamentais para o evitar? Os preços das casas estão a níveis nunca vistos? As rendas são cada vez mais altas? Os carros, com listas de espera de meses? A roupa?

Está tudo a subir de preço e isso tem um nome: inflação.

Nos próximos tempos, vamos ouvir muitas explicações para o que acontece. Cada um explicará do modo que lhe seja mais conveniente. Não caiam nas patranhas de acreditar que a inflação tem as suas causas na ganância dos empresários, ou que os culpados são os trabalhadores que são improdutivos e querem salários cada vez mais altos ou, mesmo, que a culpa é do consumismo.

Com a crise induzida pela pandemia, uma das ordens foi a de imprimir mais euros, de pôr mais dinheiro a circular. A Comissão Europeia emitiu dívida, em nome de todos nós. Já vai na sexta emissão, para assim poder alimentar a bazuca.

Acompanhem-me. Imaginem que uma Fada do Dinheiro vos aparecia do nada e oferecia dinheiro no valor igual ao que têm agora. Era bom. Passavam a ter o dobro do que têm. Agora imaginem que, a dita, fazia o mesmo com todas as pessoas. Do mais pobre ao mais rico. Passava cheques ao desbarato, dobrando a quantidade de dinheiro que cada um tinha. Não ia demorar muito para que os preços começassem a aumentar. Porque todos tinham mais dinheiro, o consumo ia aumentar, fazendo com que a procura fosse maior do que a oferta, o que levaria ao aumento dos preços.

É isto, a inflação.

Disse o Nobel, Milton Friedman, “não há almoços grátis”. Como os preços aumentam, termos mais dinheiro serve-nos de muito pouco. E se a inflação não for controlada podemos, mesmo, ficar pior do que estávamos, com metade do dinheiro que tínhamos.

Os economistas, que não sou, podem ter muitos e variados credos, mas há uma coisa em que são concordantes: o maior inimigo económico, que cada um de nós pode ter, é a inflação. Porque é perigosa, porque potencia pobreza, porque desvaloriza o trabalho e o rendimento. E, atentem nisto, é uma forma de imposto escondido.

Voltemos a Friedman: “a inflação é a única forma de tributação que pode ser cobrada sem qualquer legislação”. Os decisores, os governos, condicionam-nos o poder de compra, sem dar cavaco a ninguém. Injectam dinheiro na economia, porque lhes dá jeito ter, momentaneamente, dinheiro, e quem se lixa é o mexilhão, sendo que o molusco somos todos nós, consumidores e contribuintes.

Obviamente que exagero um pouco, mas não me afasto muito da verdade. Se o dinheiro que temos perde valor e isso afecta o nosso poder de compra, não é o mesmo que impostos altos fazem? Se isto é provocado por decisões governamentais, é uma forma de imposto. Um pouco de inflação não faz mal a ninguém, desde que se tomem medidas adequadas de compensação. É o que acontece, desde há muito tempo. Esta crise em que estamos enterrados até aos joelhos, mudou os paradigmas a que estávamos habituados.

Ao contrário de muitos responsáveis nacionais e europeus, não tenho como garantido que este aumento da inflação seja passageiro.

Deus queira que esteja enganado

2. Muitas vezes dou por mim a tentar explicar que um liberal europeu não tem nada a ver com um liberal americano. E, mesmo, o liberalismo europeu divide-se numa tendência anglo-saxónica e noutra de origem francesa.

Embora as suas origens se percam na história das ideias, é com a Revolução Gloriosa de 1688 que a vertente anglo-saxónica se começa a estruturar. Depois, o Iluminismo ajudou ao resto. Com Adam Smith, chegámos às teorias do mercado, e o tempo trouxe-nos as liberdades civis e individuais, a democracia e os governos seculares. Estas posições, com ligeiras variantes aqui e ali, continuam a ser a base que define os partidos liberais na Europa.

O liberalismo americano seguiu outro caminho, até porque foi fundador dos EUA, e o debate era feito entre liberais, uns mais federalistas e outros mais crentes no governo dos estados. No liberalismo americano, não existia uma oposição aristocrática representativa do absolutismo. Assim, os debates políticos na América eram, geralmente, sobre conflitos no pensamento liberal e até onde levar os ideais.

Porque o espaço não é muito, fiquemo-nos por uma explicação mais simples, mas não simplista: no final do século XIX, a economia de mercado, o liberalismo económico, do outro lado do atlântico, era ponto assente. Assim o debate desvia-se para questões como os direitos civis, pois ainda tinham muito a avançar em relação aos direitos das mulheres e das minorias étnicas. Surge, então, um conflito no pensamento liberal, quando muitos começaram a sentir que a economia de mercado, em vez de fornecer a todos oportunidades iguais de prosperar, criava uma sociedade menos igualitária e justa. O debate foi subindo de tom. Os que se mantiveram leais às questões económicas, passaram a ser designados por “conservadores”, os que colocaram o social no centro do seu pensamento, ficaram “liberais”. A razão principal da divisão tem a ver, acima de tudo, com a regulação do mercado. Com o tempo, os liberais americanos derivam para uma espécie de social-democracia ou de democracia-social, dependendo do ponto de vista, e o termo começa a servir para designar quem se coloca à esquerda. Logo um liberal americano ou canadiano (onde o processo foi semelhante) não tem nada a ver com um liberal europeu. Os partidos liberais europeus situam-se entre o centro (se é que isso existe) e o centro-direita havendo, mesmo, os que se considerem nem de esquerda, nem de direita, mas tão somente liberais.

3. Uma coisa estranha. Miguel Albuquerque é hoje, na estrutura nacional do PSD, a figura mais importante. Presidente do Governo Regional da Madeira, acumula, salvo erro, seis vitórias seguidas, mantendo o seu partido na Madeira como um oásis laranja, no meio de um mapa nacional pintado a rosa. Estranho que aqueles que foram tão lestos, há pouco mais de um ano, a abanar a bandeira de uma possível candidatura à Presidência da República, ainda não se tenham lembrado de indicar o seu nome para líder do partido. Tinha sido ouro sobre azul, se tivesse sido cabeça de lista nas últimas legislativas — o não o ter sido, foi um claro erro político-estratégico.

4. Parece que houve um golpe de estado, na Associação de Futebol da Madeira. Santos Costa, ex-secretário regional (propositadamente com letra pequena) que escondeu os milhares de milhões de dívida que estamos todos a pagar, e foi juiz no julgamento popular de Machico nos idos de 75, nos seus tempos de comunista da UDP, destituiu o presidente, e nomeou novamente presidente, alguém que se demitira. Confuso? Não, é só mais um episódio característico desta República das Bananas onde vivemos.