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A Geoestratégia da China

A China deu o primeiro golpe de mestre para controlar a oferta mundial de Gás Natural Liquefeito (GNL). Através da sua petrolífera estatal, a China garantiu o fornecimento de GNL do Qatar, através de um contrato de 27 anos. A assinatura deste acordo ocorre num momento em que a Europa está “desesperada” a tentar encontrar alternativas ao gás russo, e numa circunstância em que o GNL se tornou na única garantia de um inverno sem cortes de energia. Este contrato histórico assinado entre a China e o Qatar, não é apenas uma coincidência, mas sim um golpe geoestratégico com vista a controlar todo o fornecimento Europeu de GNL.

O GNL tem origem num processo onde o gás é filtrado e arrefecido a temperaturas inferiores a -150ºC. Este processo facilita o armazenamento e o transporte, uma vez que, no seu estado líquido, o gás natural reduz até 600 vezes o seu volume. O GNL tem sido cada vez mais utilizado na produção de eletricidade, substituindo o diesel, porque apresenta emissões menores de dióxido de carbono e porque tem um processo de combustão muito mais eficiente.

O GNL tornou-se então na salvação da Europa para o inverno que está a chegar. Até ao momento, e graças às importações dos EUA, a União Europeia conseguiu garantir as suas reservas de gás para o inverno, substituindo 80% do abastecimento do gás russo por GNL.

A Europa tornou-se assim um mercado premium e muito apetecível para o GNL. É aqui que entra a potência asiática, que apesar de estar com consumos energéticos historicamente baixos, resultantes das medidas covid zero, que ainda mantêm, assinou um contrato com o Qatar, com grande potencialidade para mudar o paradigma do fornecimento mundial de GNL.

Foi o Qatar a anunciar o contrato de compra e venda de GNL por 4 milhões de t/ano com a China, pelo período mais longo alguma vez contratado para este tipo de commoditie. Só para termos uma ideia mais real da dimensão deste contrato, a quantidade anual contratada, equivale à média de todo o GNL em transito pelos mares de todo o mundo.

Segundo o boletim da ERSE, durante o segundo trimestre de 2022, a forte volatilidade verificada no preço do GNL deveu-se não apenas a questões conjunturais (corte gás russo; descomissionamento de centrais a carvão; etc.), mas também a uma alteração estrutural no mercado e no sector do gás natural.

A China aproveitou esta conjuntura, onde as empresas energéticas Europeias estão impedidas de contratar GNL por prazos longos (pelos compromissos de transição energética), e um mercado global que passou a ter um peso maior de GNL no consumo final de combustíveis. Desta forma, a China, através da Sinopec, passará a controlar uma fatia muito importante de todo o GNL comercializado no mundo.