Cidadãos toleram menos a corrupção do que políticos e priorizam honestidade sobre lei
Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos indica que os cidadãos portugueses toleram menos a corrupção do que os seus representantes eleitos, com os políticos a verem a lei como "critério orientador" e os cidadãos a honestidade.
Estes dados constam num resumo do estudo "Ética e integridade na política: perceções, controlo e impacto", que foi coordenado por Luís de Sousa e Susana Coroado, investigadores do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.
Em concreto, o estudo salienta que "a honestidade é valorizada pelos cidadãos como o princípio basilar que deve orientar a conduta dos titulares de cargos políticos", enquanto "os políticos tendem a reconhecer a lei como o único critério orientador da sua conduta".
"Olhando para os dados coligidos podemos concluir, em linha com estudos semelhantes noutras democracias europeias, que os portugueses revelam menos tolerância à corrupção do que os seus representantes eleitos, tanto a nível local como a nível nacional", lê-se.
O estudo -- composto por dois inquéritos, um feito a representantes políticos e outro à opinião pública -- mostra que, entre os dois grupos inquiridos, existe uma diferença de perceção quanto às práticas que podem constituir corrupção, com situações formalmente legais a serem alvo de condenação pelos cidadãos, enquanto os representantes eleitos tendem a considerá-las aceitáveis.
Para exemplificar este ponto, os investigadores confrontaram os dois grupos de inquiridos com a situação hipotética "um ministro nomeou o seu genro como assessor de imprensa". Numa escala em que 0 correspondia a "não é corrupção" e 10 significava "é corrupção", os cidadãos consideraram que essa situação se aproxima da corrupção (7,85), enquanto os políticos tiveram uma leitura diferente (4,83).
Detalhando as situações em que há um maior desacordo entre cidadãos e políticos, os investigadores referem que "têm que ver com a nomeação de familiares para cargos políticos (nepotismo) e com o 'puxar de cordelinhos' para favorecer alguém".
Os autores alertam que esta "discrepância pode diminuir os níveis de confiança nos atores políticos e, consequentemente, os níveis de confiança e satisfação no sistema democrático como um todo".
Apesar desta atitude "mais tolerante em relação à corrupção" por parte dos políticos, o cenário altera-se no que se refere aos casos de "corrupção de mercado". Neste tipo de corrupção, "marcadamente ilegal", "os políticos parecem ser mais rigorosos" do que os cidadãos.
"Parecem existir dois mundos paralelos. Por um lado, os políticos tendem a tolerar mais a corrupção, em geral, e parecem estar mais predispostos a aceitar tipos de corrupção que não sejam proibidos por lei (...). Por outro lado, os cidadãos tendem a ser, por regra, mais propensos a aceitar condutas associadas à corrupção de mercado, manifestamente ilegal", referem os investigadores.
O estudo mostra ainda que os cidadãos parecem partilhar mais da máxima "rouba, mas faz" do que os políticos. Numa escala de 0 a 10, a concordância dos cidadãos em relação à afirmação "se o resultado de uma ação for benéfico para a população em geral, não se trata de corrupção" é de 4,71, enquanto para os políticos esse valor desce para 2,79.
Retirando ilações de todos estes dados, os investigadores salientam que, para a sociedade portuguesa, "certas práticas informais deixaram de ser consideradas normais na vida política, havendo um consenso alargado que as entende como práticas corruptas".
Nesse sentido, e uma vez que os cidadãos condenam comportamentos legais que os representantes políticos tendem a ver como normais, "mais do que proibir por lei certas práticas, importa assumir uma abordagem mais preventiva".
"É importante que as instituições assumam, de forma consistente e sustentada, um papel de maior relevo na definição e aplicação de padrões éticos aos seus membros, por meio de ameaças credíveis e dissuasoras de comportamentos impróprios na esfera política", lê-se.