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Arquitectura: método e imaginação

O melhor dos métodos de nada serve se não houver o que é preciso, isto é, se não houver café

O episódio teve lugar, se não me engano, nos idos anos 60 do século passado, num restaurante de hotel algarvio onde o meu velho mestre jantava com um colega. Depois da sobremesa, para sua irritação, o empregado serviu Nescafé. Tinha-se acabado o café.

– Tem calma, vou ensinar-te como se faz – acudiu o colega abrindo o frasco de Nescafé – é uma questão de método: primeiro vertes duas colheres dentro da chávena; depois acrescentas um pouco de açúcar e misturas bem; só então, mexendo sempre – não te esqueças nunca de mexer! – acrescentas água quente, gota a gota, até encher. Por fim, pegas na chávena e atiras a mistela que fizeste pela janela fora, porque não é, nem nunca será, café.

Moral da fábula: o melhor dos métodos de nada serve se não houver o que é preciso, isto é, se não houver café – o que, no caso de um arquitecto, significa: se não houver imaginação. Ao contrário do que muitos pensam, porém, a imaginação do arquitecto é apenas convocada em certos momentos do projecto. O momento, por exemplo, em que a ideia arquitectónica se consuma realizando a síntese de inúmeras variáveis. Síntese que não tem absolutamente nada a ver – diga-se de passagem – com o copiar bacoco do que “está a dar” nas revistas da moda. Todo o resto do tempo – eu diria 90% dele – é dedicado a resolver exaustivos problemas de construção, com a colaboração de uma numerosa equipa de especialistas.

Para isso, evidentemente, o método é necessário. Nem que seja o proposto pela Portaria n.º 701-H/2008 de 29 de Julho, que divide o projecto de arquitectura em 5 fases, explicando claramente quais os elementos que devem ser apresentados em cada uma. Apesar de dedicada à obra pública – essa região sombria onde pastam burocratas e corruptos – a Portaria recomenda-se vivamente àqueles que por fado ou feitio sobrevivem ao sol inclemente do mercado. Para o promotor que nunca conviveu com a construção civil – e facilmente confunde um projecto com “um boneco” – ela é de leitura obrigatória. Lá encontrará especificados todos os trabalhos do arquitecto que contratou, escusando-se a pagar as fases que este não concluiu, ou obrigando-o a concluí-las para se proteger, em obra, dos traiçoeiros “trabalhos a mais”.

Que conclusão devemos, então, retirar destas breves considerações? O método é, sem dúvida, necessário ao desempenho de qualquer ofício, mas o mesmo se pode dizer da imaginação, sem a qual a vida se assemelharia a um Domingo passado no Entroncamento. Só existe, todavia, uma forma de pedir imaginação a um arquitecto: a mesma com que pediríamos a um motorista de táxi, na via rápida: – Por favor, imagine que a sua família vai dentro do carro...