Crónicas

MEM.CO – Memória do Mar, Património em Comunidade: imagéticas em confronto

No passado sábado, dia 3 de dezembro, tive oportunidade de assistir a uma das seis oficinas do projeto MEM.CO – Memória do Mar, Património em Comunidade, atualmente a decorrer no Funchal, aos sábados de manhã.

O projeto extravasa em muito a dinâmica de encontros de partilha sobre o universo de imagens, afetos e circunstâncias da atividade piscatória no Funchal, em particular (mas não exclusivamente), a dos pescadores profissionais. Ultrapassa, ainda, o contexto das oficinas onde questões técnicas sobre composição, produção e edição de imagem são abordadas com rigor, e os participantes têm a oportunidade de desenvolver séries fotográficas ou vídeos sobre a temática e de os discutir em coletivo.

MEM.CO é um “projeto de mediação cultural que tem como objetivos a divulgação, preservação e valorização do património cultural material e imaterial de comunidades piscatórias madeirenses, concebido para a potenciação do sentido de pertença da população local, orientando-se sob práticas artísticas participativas, iniciativas de cidadania ativa e em atividades sócio-educativas”, diz o seu texto de apresentação. Reúne na sua equipa antropólogos de formação – desde logo, na conceção e coordenação do projeto, Manuel António Pereira, mas também no terreno Filipe Ferraz, que a alia a uma prática de realização de vídeo documental –, valorizando o conhecimento histórico e noções de prospeção do território caras à arqueologia – particularmente visíveis na abordagem da fotógrafa Ana Marta, que alia ambas as formações superiores em fotografia e arqueologia.

O projeto, que irá estender-se ao longo do próximo ano a outros locais da Madeira, como a Calheta ou o Caniçal, onde a pesca se assume ou assumiu como atividade económica e social de particular relevância, visa constituir acervos digitais comunitários a partir de testemunhos, documentos, fotografias pessoais e de família, e novas produções fotográficas ou de vídeo autorais.

Das breves evocações que me chegaram - mediadas por imagens ou pelos testemunhos diretos dos pescadores -, retive as particularidades e a dureza das condições da pesca do peixe espada, o ambiente da lota e o diferencial de preços do peixe ali vendido em relação àquele praticado nos supermercados, a imagética do Mercado, da pesca de ruama, da pesca para subsistência a bordo dos navegadores solitários, e tanto mais. E poupo espaço ao texto para o dedicar aqui a imagens de arquivo sobre as quais estas evocações se estabelecem, pelo menos parcialmente, por contraste. Por contraste ou por tensão - a da relação do nosso presente com a imagética de uma atividade que, em grande medida através da fotografia, pode assumir uma certa aura anacrónica: outros perfis de materiais de pesca, de população, roupas, práticas, hábitos, costumes, etc.

Em paralelo com estas imagens da casa Perestrellos, tenho igualmente presentes inúmeras fotografias em grande plano de peixes nas bancas do (mesmo) Mercado, acompanhadas da sua descrição e preço ao quilo, que me faz chegar quase quotidianamente ao telemóvel um vendedor de peixe, através de um grupo privado do WhatsApp. A fotografia atesta aqui a frescura do peixe que não está diante dos olhos, mediando o ato de compra e venda. Esta, a par da vívida cor dos plásticos utilizados atualmente na carga e descarga do peixe,  mas também de outros elementos e texturas em jogo na pesca mais artesanal – redes, boias, cordas, madeira pintada e mais ou menos desgastada – lançam pistas para o esboço de uma visualidade e imaginário daquilo que a atividade é hoje, aqui.

Nota: parte da equipa e participantes do MEM.CO vão estar em residência até dia 10, sábado, no Largo do Corpo Santo.

Ana Gandum
com a colaboração do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s.