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Bolsonaro não colaborou para a transição de poder no Brasil após a derrota

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A analista política brasileira Carolina Botelho considera que, 30 dias depois da derrota eleitoral, o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, não colaborou com a transição de poder como se espera de um líder numa democracia.

Investigadora política do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a especialista frisou que o atual governante não deu "nenhum tipo de colaboração robusta" ou fez o que se "espera de um Governo democrático republicano" após ser derrotado na segunda volta das presidenciais, em 30 de outubro, por Luiz Inácio Lula da Silva.

"Eu não vejo nenhum engajamento [de Bolsonaro] em transferir ao Governo de transição a matéria-prima de um Governo que é informação e a transparência para aplicação futura de políticas públicas necessárias a quem exercerá o próximo mandato. Isto é um compromisso que o atual Governo deveria ter e ele [Bolsonaro] não tem cumprido", avaliou.

Praticamente recluso nos últimos trinta dias, Bolsonaro fez só duas falas públicas depois do sufrágio em que foi derrotado. Em ambos os casos pediu o fim dos bloqueios organizados por camionistas apoiantes que fecharam estradas do país, pedindo uma intervenção militar que impediria a posse de Lula da Silva e manteria o atual governante no poder.

Tal postura contraria o comportamento beligerante que Bolsonaro adotou durante grande parte do seu mandato.

Para Carolina Botelho, a falta de colaboração do atual governante e de parte de sua equipa não surpreende, assim como seu silêncio que explicou ter caráter ambíguo e proposital.

"O silêncio do Presidente se tornou um pouco ambíguo e ele, como sempre, tenta aproveitar-se dessa ambiguidade. Durante quatro anos, ele [Bolsonaro] agrediu de facto a Constituição e as instituições brasileiras ao mesmo tempo que recuava para tentar pedir desculpas nos bastidores entrando em contacto com algumas autoridades públicas para que não fosse alvo de punições", pontuou.

Assim como outros analistas, a investigadora política avaliou que o silêncio e o não reconhecimento da derrota depois das eleições se enquadram numa estratégia de Bolsonaro "estimular a militância" e mostrar que "ele se recusa a cumprir o pacto democrático de anunciar o outro Governo", ou seja, não vai demonstrar que perdeu e que a derrota faz parte do jogo democrático para tentar retirar legitimidade ao futuro governo perante uma parcela da população.

"Ao mesmo tempo, ele [Bolsonaro] não se compromete para no futuro ser alvo de condenações [judiciais] ficando quieto. Se sabe que este silêncio é quase que teatralizado porque nos bastidores apoiadores dele e pessoas ligadas ao Governo tem engajado a militância para manter as manifestações [contra o resultado da eleição] ativas", ponderou.

"Então com este silêncio ele [Bolsonaro] quer ganhar dos dois lados. Ele ganhar por não ser o foco de futuras condenações e punições [judiciais] e ao mesmo tempo estimula o engajamento da militância ao não desencorajar estes grupos que estão nas ruas", completou.

Questionada se essa ambiguidade que alimenta os movimentos de resistência ao resultado das eleições trará problemas à posse de Lula da Silva, Carolina Botelho mostra-se preocupada.

"É perigoso, obviamente. São movimentos muito violentos e não se sabe exatamente qual o nível de violência que vai ser utilizado numa próxima ação. O Brasil tem vindo de um cenário de violência política crescente. Há pouco tempo, as pessoas esquecem, uma pessoa foi morta dentro da sua festa de aniversário porque era militante do PT [Partido dos Trabalhadores]", lembrou Carolina Botelho referindo-se a um caso ocorrido antes do sufrágio e que chocou o país.

"Esses movimentos de violência política têm crescido assustadoramente com a conivência de uma parcela de contribuição do governo atual", acrescentou.

Sobre os atos e acampamentos montados por 'bolsonaristas' na frente de quartéis do Exercito em cidades como Brasília e São Paulo, a especialista lembrou que é preciso identificar seus lideres e considerou que eles não são espontâneos.

"Quando a gente fala dessa resistência parece que é uma organização muito espontânea de um grande eleitorado da sociedade, mas não, isso não é verdade. Tem financiamento, incentivo e organização de determinados grupos da sociedade com muito poder económico e que estão lá financiando dia a dia dessa tal resistência", pontuou.

Sobre os impactos da falta de colaboração de Bolsonaro com a transição de poder tem na imagem do país e sobre a possibilidade de se recusar a passar a faixa presidencial a Lula da Silva na cerimónia de posse assim como fez Donald Trump nos Estados Unidos, Carolina Botelho ponderou que "o mundo já tem clareza para diferenciar o que é o Brasil de facto e o que representa o bolsonarismo e o legado Bolsonaro."

"Acho que há uma clareza sobre o que é o Bolsonaro, o 'bolsonarismo' e o que é, de facto, o Brasil. Eles são parte do Brasil, mas não são o Brasil. Eles são uma parte do Brasil que precisa ser observada, investigada e, se for o caso, punida", concluiu.