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Filhas bordadeiras *

As vizinhas se reúnem
num cantinho do terreiro,
ali bordam tempo meigo,
por miséria de dinheiro.

De manhã até à noite
bordados são aos montões,
mãos hábeis de ouro puro,
mas só ganham uns tostões.

Richelieu e pesponto,
granito e caseado,
em letras ou naperons,
estilo afortunado.

Umas bordam a toalha,
para o altar bendito,
letras, lenços e as telas,
com jeito, tudo bonito.

Até as fronhas e colchas
e quadros em ponto cruz,
e a netinha aprendiz
borda ilhós em linho cru.

Que perfeita harmonia
paga com tostões de prata,
entre dedos pano fino
para fingir que fome mata.

Enquanto bordam, comentam
nos familiares emigrados,
no vizinho que está na guerra
e nos seus antepassados.

Em cada um dos portais
as mulheres bem bordavam,
a rádio por companhia
e alegres conversavam.

Cantigas alegres e tristes
ouvem com mesma alegria,
suas almas preenchem
graças à telefonia.

Canções do Teixeirinha,
honra sua mãe querida,
bordadeiras cantarolam,
consolam sorte de vida.

Muitas outras melodias
felizes são de certeza,
quando ouvem e trauteiam:
Vá Embora a Tristeza.

Muitos pontos têm que dar
para ganhar um tostão,
à noite à luz da vela
para poder comprar pão.

Ponto, ponto mais um ponto,
todo o dia a pontuar,
mal param no almoço e ceia,
e continuam a sonhar.

Depois de tantos os dias
para o bordado entregar,
umas às outras se ajudam,
o prazo está a chegar.

São doutoras nesta arte,
mas não sabem que o são,
muito mais do que um mistério
o que sai da sua mão.

*) Texto de Filipe Corujeira sobre as bordadeiras nos anos de 60 no séc XX, em livro ainda não publicado.

Na foto, Martinha Andrade, sítio da Fajã-Velha, Campanário, uma das bordadeiras que inspirou o autor.