O Império contra-ataca!
Nas últimas décadas cimentou-se a convicção da decadência do Ocidente.
Pela perda da influência global, o empobrecimento relativo, a desunião intrínseca e o descrédito dos seus valores, muito à semelhança do sucedido ao Império Romano. E esta visão tem inúmeros argumentos:
O crescente isolacionismo americano, a fragmentação europeia, cujo Brexit é o exemplo máximo, o Crash económico de 2008, as intervenções mal sucedidas no Iraque e Afeganistão, a crise migratória síria e africana na Europa, a crescente dependência ocidental da energia russa. A globalização ao ser assimétrica, com o ocidente manter o estado social e os direitos laborais, mas a contraparte a ignorá-los, permitiu à economia da China emergir.
Esta, apesar de ser uma autocracia, com poder exclusivo do partido comunista, passou a ser vista por muitos com bons olhos.
Adicionalmente, antigo princípio “o inimigo do meu inimigo é meu amigo” uniu Pequim e Moscou, que formalizam uma “Amizade sem Limites”, constituindo um contrapoder natural.
Este equilíbrio que a China e a Rússia impuseram à América, limitou-a na capacidade de “engenharia social”, na habitual tradição de promover a democracia e liberdade no mundo.
Os valores da democracia, da liberdade individual, dos direitos humanos, da tolerância religiosa e social, da justiça independente do poder político, da sustentabilidade ambiental, do estado social, duma educação e saúde universais pareceram, a certa altura, algo menos populares e consensuais em muitas das duzentas nações existentes.
O descrédito dos valores democráticos e da tolerância foram até apregoados por líderes ocidentais como Trump, Bolsonaro, Le Pen, Orbán, Erdogan e, em certa medida, por Boris e Salvini, entre outros.
O futuro desse “Mundo Ocidental” parecia, aos olhos de muitos, algo sombrio. Entretanto aconteceu algo, de certa maneira imprevisível:
A forma transparente e coordenada, baseada na ciência, como a Europa lidou com o Covid, demonstrou ser a mais correta e célere. Agora o Covid é pretérito.
A guerra na Ucrânia solidificou a União Europeia e a demonização de Putin fortaleceu a Nato e abriu caminho à futura independência energética ocidental.
A Rússia afogou-se com as sanções que lhe foram impostas. Putin demonstrou ser naïve ao pensar que a sua economia resistiria ao aperto da aliança ocidental, cujo PIB é trinta e duas vezes maior. Demonstrou ser naïve ao pensar que os ucranianos abdicaram do seu país e da sua liberdade, sem luta.
A derrota de Trump, Bolsonaro e Le Pen e o desastre do Brexit, fortaleceram os valores políticos ocidentais tradicionais. Biden, que é de uma geração política que participou na guerra fria contra a antiga URSS, fez aquilo que se esperava dele.
O esmagamento da democracia em Hong Kong, a ameaça a Taiwan, o apoio à Rússia, a falta de transparência no dossier Covid, a crise económica e social em que a China se atolou, escureceram o verniz vermelho chines.
Num par de anos, o paradigma já não era o mesmo…
O rosto improvável desta mudança é um ex-comediante, que lidera um jovem país, pobre, corrupto, heterogéneo, na periferia da Europa, mas que contra todas as previsões, o seu povo deu uma lição ao mundo com suor, sangue e lágrimas, ao ser capaz de resistir à agressão russa, unindo-se na defesa da sua independência, da sua democracia e dos valores pró-ocidentais. E ao fazê-lo, reuniu o Ocidente numa coligação de vontades, do Canadá ao Japão, da Finlândia à Austrália.
Perspetiva-se uma redefinição da globalização e das relações internacionais.
A América chamará novamente a si muita da indústria tecnológica estratégica, que deslocalizou. Desenhará uma linha vermelha entre China e Taiwan com o apoio do Japão, Coreia do Sul, Índia e Austrália. A NATO ganhou uma nova vida e um novo poder de dissuasão. A Europa deixará de estar dependente da energia russa, fortalecendo a opção ambiental já tomada pela UE. O peso da governação europeia centrou-se mais a Leste. A visão eurocética deixou de estar na moda.
O Ocidente foi confrontado com um dilema inesperado. Optou por reagir, escolhendo a união, está a redefinir propósitos, irá defender os seus valores, apesar das dificuldades previsíveis.
Nas Nações Unidas, os países foram confrontados com uma escolha incómoda entre duas opções, a da Democracia e os seus valores ou a Autocracia e as suas consequências. O mundo ficou mais fluido. As cartas voltam a ser distribuídas e, na minha esperança, de um mundo mais sereno e tolerante para 2023, e mais além!