A Festa
Luz por todo o lado e barretes vermelhos e brancos substituem os de orelhas
É mais gente do que a ilha tem. Barracas nascem por todo o lado. A coralzinha a brotar das fontes e a ponchinha dos jarros.
Ao fundo, no edifício, persiste a Missa. Do Parto para saudar o Salvador. No átrio é festa profana e profanada onde se devora carne de porco avinhada.
Na cidade, cresce o bidonville ao lado de carroceis engalanados. “É canja senhor, é canja”, grita uma enquanto ajeita a saia. Tudo temperado com o gajedo da política a sorrir para a selfie da ocasião. Abriu a época da feira de vaidades. Armados de telemóveis tentam caçar Pais Natais de barbas postiças. Um balão a hélio transporta pelos ares um puto choroso.
Na televisão cantam os do costume. A RTP a dar música, os cantares de Natal a cheirar a peixe. A tradicional mistura de quadras populares com coisas em inglês, denotadora de um certo colonialismo cultural.
Por todo o lado o cheiro a tanjas descascadas disfarça um podre a mijo. O empurra para cá e o empurra para lá, as boas festas a um e a outro, acompanhado do sorriso estúpido nos lábios, de quem sente que faz parte.
Uma poncha, e outra e outra. Das verdadeiras, não daquelas zurrapas elaboradas com vodka rafeira.
O jovenzito que faz capa este ano sofre a iniciação do vómito, que amanhã o vai fazer sentir-se mais homem.
Um empurrão aqui, uma chapadaria ali, um soco acolá e a promessa de uma cabeçada. Uns sentam-se no tratoário e outros anseiam pelo sofá da sala.
Ao fundo, ao pé da Casa que luz, vendem-se pinheirinhos acabados de assassinar.
Luz por todo o lado e barretes vermelhos e brancos substituem os de orelhas. Lá pelas quatro, é vê-los regressar trôpegos, depois de um cacau para rabiçar à porta de casa.
Abriu um livro, deitou gelo no whisky e aninhou-se nas páginas de outras estórias.