O problema do acordeão português…
Apenas, porque é Natal, vou lembrar um episódio dos momentos de convívios de outrora que nunca hei-de esquecer
Hoje é véspera de Natal. Anda tudo num redemoinho, a ultimar os adornos e presentes. Não bastaria serem os últimos preparativos para o final da noite da véspera de Natal, mas também são os últimos, porque, à boa maneira portuguesa, há sempre um derradeiro compromisso que tem sido adiado sucessivamente até ser impossível protelá-lo.
Amanhã estará tudo esquecido e as alegrias e os momentos de confraternização próprios desta época contribuem para superar tudo.
Muitos dos convívios são mais com equipamentos informáticos. Não me vou pronunciar quanto à bondade ou perversidade desta tecnologia. O progresso traz benefícios, mas, como tudo na vida, há o reverso da medalha.
Apenas, porque é Natal, vou lembrar um episódio dos momentos de convívios de outrora que nunca hei-de esquecer.
Na venda do Sr. Manuel, preparava-se um “brinco” para deambular pela freguesia, cantando, bebendo e petiscando. José Luís, de acórdão a tiracolo, dava o tom enquanto outros iam afinando as violas, preparavam o bombo, as castanholas e a rebeca.
Lá fora, no terreiro da venda, a pequenada e alguns graúdos entretinham-se no jogo da cabra cega, do lenço, do anelinho. Outros graúdos, tinham montado mesas de jogo e entretinham-se a jogar à bisca, ao dominó e ao cassino. Uns, mais do que outros, iam-se insinuando junto dos familiares, para acompanhar o brinco. Afinal, Festa é festa!
Como tantos outros emigrantes, provenientes da Venezuela, África do Sul, também o Sr. João, acabado de chegar da França para umas merecidas férias, estava a saborear aqueles momentos de lazer e alegria junto dos velhos amigos e familiares. As memórias de infância brilhavam naqueles olhos, enquanto observava o José Luís a abrir e fechar o fole do acordeão e, simultaneamente, os dedos passeavam pelas teclas brancas e pretas.
No meio daquele entusiasmo, eis senão quando, o Sr. João avança para o José Luís e pergunta-lhe se pode tocar umas músicas francesas que ele conhece e são bem bonitas.
Dito e feito. José Luís desfez-se do acordeão e entregou-o ao Sr. João. Todo emproado e cerimonioso, lá foi enfiando os braços nas correias até ficar com o acordeão ajeitado.
Olhou para o tecto da venda a pensar na canção que haveria de deleitar o auditório.
Quando, finalmente, começou a tocar, saiu daquele acordeão uma cacofonia nunca dantes ouvida. Depois dum momento de silêncio atónito, toda a gente começou a rir da situação e a gozar do músico francês. Ao que ele clarificou:
- É que música francesa não dá em acordeão português! – rematou o acordeonista afrancesado.
E, porque é Natal, faço votos que seja o mais feliz possível e que tenhamos todos, mesmo todos, um próspero ano de 2023!