Terrorismo sem lei
O terrorismo continua a ser um tema que choca devido à brutalidade com que ocorre e devido à frieza existencial que o permeia e que se traduz na ideia de que a vida humana é algo perfeitamente descartável quando se têm certas metas em vista. Este fenómeno criminal pode, enquanto objeto de estudo e de ação para as ciências legais, adotar diversas formas sendo que a sua complexidade apenas aumenta quando optamos por adicionar processos de crítica filosófica na sua análise.
Debates “filósofo-científicos” à parte, quando encaramos o terrorismo num patamar mais superficial e pragmático, verificamos que este tende a ocorrer na atualidade de duas formas: o terrorismo geral, proveniente de ameaças “exteriores”, e o terrorismo doméstico que resulta de episódios de violência praticados por indivíduos “interiores” e que, contrariamente à primeira forma, ocorrem com objetivos pouco definidos. Estas duas tipologias são fáceis de se distinguir entre si – enquanto que a primeira no mundo ocidental é tipicamente associada a grupos extremistas islâmicos, a segunda associa-se com igual intensidade a school shooters, ou seja, indivíduos/estudantes que a certo ponto, normalmente devido a fadiga extrema psicológica/emocional, acabam por realizar grandes atentados nas suas escolas (fenómeno recorrente nos Estados Unidos desde 1999). Naturalmente que ambas as tipologias são encaradas como eventos de brutalidade extrema pelas autoridades, mas também é claro que a primeira supera a segunda em mediatismo, algo que ocorre devido a uma multiplicidade de fatores de entre os quais chamo a atenção para o que mais importa em países que não os EUA: o de que “isso não acontece aqui”. Contudo, como aprendemos este ano, nem nós estamos livres de uma desgraça destas proporções.
Foi a 10 de fevereiro que a PJ realizou a detenção preventiva de um estudante que tencionava levar a cabo um atentado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e, como confessou em julgamento, matar pelo menos três pessoas, tendo já o armamento – uma besta, uma faca militar, um punhal e cocktails molotovs – preparado para levar a cabo o massacre. Por um lado, observamos que as nossas forças de segurança fizeram um trabalho rigoroso nesta situação, mas, por outro, vemos aquela que é a face mais polémica da situação: a condenação do arguido, não por crime de terrorismo, mas sim pelo crime de posse de arma proibida.
No cerne desta decisão, está o facto de que os requisitos legais dos crimes imputados pela acusação, especificamente o crime de terrorismo na forma tentada e o crime de treino para terrorismo, não se cumprem. Ora, num Estado de Direito em que o mesmo se aplica com base na lei codificada seria ilegal que alguém fosse punido por um crime cujos requisitos legais não estivessem devidamente preenchidos pelo que, apesar de não se ter feito justiça, o poder judicial agiu corretamente.
Este julgamento, que ainda não se encontra concluído, veio demonstrar falhas na nossa lei no que diz respeito àquela que é a forma mais violenta de criminalidade, falhas essas que têm que ser colmatadas de forma a que a boa atuação policial encontre também uma forte aplicação da lei em sede de justiça, a fim de criar um ambiente de verdadeira segurança nacional.
Portugal é um país que nuns aspetos corre juntamente com o resto do mundo na modernidade mas noutros deixa-se ficar para trás. O terrorismo já não é meramente definido pelas catástrofes iniciadas e inspiradas pelos eventos do 11 de Setembro de 2001. É também aquele que é cometido por gente desesperada e sem nada a que se agarrar. Como este caso demonstrou até agora, o Direito Penal português tem que novamente evoluir a fim de conseguir combater o terrorismo nas suas diversas dimensões. É verdade que se nota uma evolução no nosso sistema judicial no que diz respeito a considerar o criminoso como alguém que, além de castigo, necessita também de “cura”, mas torna-se verdadeiramente injusto que alguém que tencionava e se encontrava preparado para acabar com a vida de outros jovens seja absolvido ao fim de pouco menos de três anos de prisão como se de um crime sem vítimas se tratasse.