Os bons e os maus exemplos
Neste mundial, o Cristiano teve uma ou duas atitudes em que não foi perfeito
Muito se tem falado do CR7, porque do Cristiano provavelmente poucos, como eu, sabem o que falar com segurança de que não estão a dizer disparates, banalidades, ou mesmo ofensas para com a pessoa.
O Cristiano é um desportista brilhante, um exemplo de empenho e dedicação. Como sabemos trabalha, desde sempre, arduamente com o objetivo de se superar. Tem conseguido e vai continuar a conseguir, porque esse é o seu perfil. Sejam quais forem as suas escolhas, tudo o que ele decidir fazer, na sua profissão, vai fazê-lo sempre com nota de excelência.
O brilhantismo deste atleta, que consequentemente trespassa para a pessoa, é para muitas crianças, adolescentes e jovens adultos, amantes ou não do futebol, ou do desporto, uma inspiração.
Como pessoa que é, o Cristiano, zanga-se, irrita-se, entristece, chora, ri, sorri, salta, abraça, grita, sente, exprime emoções. Afinal, faz tudo o que define um ser humano saudável, continuando por isso a ser um exemplo para todos os que o têm como referência. É excelente mas não perfeito.
Todas as pessoas já passaram por momentos em que, por impulso, disseram o que poderiam não ter dito, daquela forma ou naquele contexto. A maior parte das vezes, estas situações acontecem em registos privados ou profissionais, onde a audiência é pequena e permite uma pausa para arrefecer ânimos e reajustar comportamentos.
Na prática desportiva, essencialmente na alta competição, a exigência de autocontrolo é muito alta e as naturais explosões são observadas por milhares de pessoas, muitas delas também em clima de tensão. O atleta não pode propor uma pausa e recompor-se para o momento seguinte. Tudo acontece ali, num segundo. Acontece e fica gravado para sempre. Gravado para ser comentado, explorado e analisado. Torna-se notícia de última hora e os canais de informação correm a seguir as tendências das redes socais. Vira-se o feitiço contra o feiticeiro. Promoção do que de mais básico existe na informação.
Na verdade, este estilo de sobrevalorização aos melhores, sem respeito pelos seus limites, ultrapassa as figuras públicas penalizando tantos a quem o seu talento não permite falhar. São tantos os jovens que nos procuram cansados da obrigação de se manterem a alto nível porque ninguém, nem eles próprios, conseguem aceitar-se num padrão ligeiramente abaixo do esperado. Já várias vezes abordei este tema, realçando a forma como muitos educadores promovem a excelência, sem se preocuparem com o que isso significa no desenvolvimento emocional dos seus filhos ou alunos. Há limites para tudo, até para a perfeição. A ideia, infelizmente partilhada por muitos, de que uma nota catorze é praticamente uma negativa é um erro grave. Para os que habitualmente conseguem notas de excelência, fica a ideia de que falharam ao obter um bom resultado, para os alunos médios, que com trabalho e dedicação conseguem este bom resultado, fica-lhes sempre a ideia de que nunca vão ser suficientemente bons, não se sentindo premiados pelo esforço. Para uns e para outros estimular a perfeição, centrando a análise em duas ou três competências, é reducionista e pouco inteligente para quem quer promover pessoas e gerações saudáveis. Quem trabalha na minha área confronta-se diariamente com o prejuízo deste estilo de promoção do sucesso, e os estudos apontam neste sentido.
No desporto, como exemplo para os mais novos, há que ser justo e diferenciar o certo do errado, e no errado o que é e não é aceitável. Só assim poderemos no futuro ter uma geração de desportistas e dirigentes tecnicamente competentes e emocionalmente evoluídos. Neste mundial, o Cristiano teve uma ou duas atitudes em que não foi perfeito porque, como ser humano, permitiu que o seu lado emocional tivesse expressão, não conseguiu dominar um impulso. O que o Emiliano Martinez fez, ao receber o troféu de melhor guarda-redes, após o título de campeão mundial pela sua equipa, não foi uma reação de impulso, foi falta de educação e de respeito pelos adversários e os adeptos franceses. Como ser humano e desportista, este sim é um péssimo exemplo.