O Menino da manjedoura e da Cruz, o maior dom do Natal
O fim e o início de anos litúrgico e civil evocam o juízo final e como que unem o fim e o início da vida de Jesus, Filho de Deus, em carne no nascimento, e na morte na Cruz, e ressurreição. É a mesma pessoa na palha e madeira do presépio e no pau da cruz. Nasce como Cordeiro de Deus para desde Menino dar a vida por nós pecadores; e consumou o dom na cruz com o perdão do Reino aos que se arrependem como João Batista pediu no deserto.
Perdoar-se uns aos outros é o remédio mais eficaz para ser feliz e religar-nos ao amor de Deus e ao aos irmãos. Nem sempre é processo fácil; pode levar anos, uma vida e muita oração. Não é um ato “de faça você mesmo”, como na gnose. O primeiro passo é perdoar a si mesmo para aceitar o perdão ou pelo menos desejar ser perdoado por Quem pode perdoar. Há passos do caminho de perdoar. Um deles é parar a raiva de desejar mal a alguém. Outro é reconhecer o mal. Os obstáculos são orgulho, soberba, e mentira. Jesus orou a pedir ao Pai que perdoasse aos que zombavam d’Ele no julgamento e na cruz, e O desprezavam por não se mostrar com poderes deste mundo, porque era o Messias. Orou a desculpar os seus homicidas. Não sabiam a gravidade do que faziam, mas sabiam que faziam mal. Na narrativa da cruz, dois dos presentes tiveram luz para reconhecer o mal feito a Jesus e confessaram arrependimento e a sua fé. Um exclama: este é na verdade o Filho de Deus; e o outro pede: lembra-te de mim quando vier o teu Reino.
Quando Jesus afirmava que havia mais alegria por um arrependido que por noventa e nove justos, não se referia só à alegria e felicidade dos outros e do Céu. O próprio que regressa arrependido está alegre no centro da festa. Basta lembrar Zaqueu, o pecador ressentido; e pensar no filho mais novo da parábola, revoltado, iludido e infeliz; e, ainda, na ovelha encontrada. Zaqueu explodiu de alegria, arrependido, e remediou a sua mágoa e azedume de ser infeliz no meio de tanta riqueza. Logo ali, agradeceu com dons! O filho mais novo da parábola, a mais bela de Jesus, terá passado meses, talvez anos, a remoer a sua infelicidade e pecado fruto da revolta e orgulho contra o Pai. Foi tempo de remorso, de tristeza, de pena e de pedido silencioso de perdão. Não acreditava que o pai ofendido lhe perdoasse, mas estava arrependido: pequei contra o céu e contra ti, nunca mais mereço ser teu filho; aceita essa vergonha para o resto da vida: aceita-me como um dos servos da casa. Não esperava a festa do Pai.
Não esquecer que a pessoa é sempre um molho de relações de amor a Deus e a todas as outras pessoas. Estas relações unem pais a filhos, filhos a pais, marido e mulher, unem vizinhos, concidadãos e Deus. São relações de amor e entreajuda, que se rompem com as más ações e a raiz delas, o pecado de fraqueza e de orgulho. Cortar relações com alguém significa negar-se a perdoar e a ser perdoado. Foi o passo a meias dado pelo filho mais novo em relação ao perdão do Pai, por não conseguir entender o indizível amor do Pai.
Perdoar e ser perdoado é um caminho de passos curtos: começar a tentar, não desejar mal a essas pessoas, não se vingar, saudar-se, fazer a pazes, dar alguma ajuda, até querer bem e voltar a amar-se. Uma das expressões mais sentidas do perdoar-se é chorar de amor. Se houvesse mais relatos dos últimos momentos da vida de pessoas desavindas, pais e filhos, marido e mulher, irmãos e irmãs, descobriríamos que muitos deles são de abraços chorosos e felizes pelo reencontro e união reconciliada. Seria o momento da entrega ao Pai. Nem faltariam as palavras: este é o momento mais feliz da minha vida, teria pena se não o desse antes de morrer. Momento como Jesus exprime: haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos (cf. Lc. 15, 7).
Aires Gameiro