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Lobby e Corrupção

Creio que é evidente que as instituições europeias têm tolerado uma teia de ligações perigosas

A detenção da eurodeputada e Vice-Presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili, e do seu companheiro, Francesco Giorgi, assessor para o Médio Oriente e Norte de África e fundador da organização não-governamental Fight Impunity (Combater a Impunidade), no âmbito de uma investigação das autoridades belgas sobre subornos relacionados com o Mundial do Qatar, expõe um lado obscuro das instituições europeias, para além de toda aquela aparente pujança e pureza. O Diretor da Transparência Internacional, Michiel van Hulten, garantiu que “este incidente não é um caso isolado” e que “durante muitas décadas, o Parlamento permitiu que se desenvolvesse uma cultura de impunidade, com uma combinação de regras financeiras e de controlo laxistas e uma total falta de supervisão ética”, bloqueando mesmo “qualquer tentativa mais séria de melhorar o controlo e responsabilização”.

“Qatargate” é um escândalo de corrupção no Parlamento Europeu que, tal como refere Ursula von der Leyen, “abala a confiança dos cidadãos nas nossas instituições” e que obriga a algumas constatações e reflexões.

Creio que é evidente que as instituições europeias têm tolerado uma teia de ligações perigosas e de interesses pouco claros, tratados em canais colaterais, que se aproveita de forma subversiva da lógica de cooperação, negociação e de reconciliação que inspirou Robert Schuman – que substituiu a anterior lógica de confronto e de confrontação – e que esteve na origem da União Europeia.

As instituições europeias permitiram o lobby paralelo, para além da negociação diplomática institucional e, assim, abriram caminho à compra restrita e escondida de influência, em detrimento da sensibilização séria e transparente, numa rampa vertiginosa para a corrupção. E o Organismo Independente de Ética, sugerido pela Presidente da Comissão Europeia, virá apenas entreter, disfarçar e alimentar hipocrisias. O problema não se resolve com palavras e com mais organismos, mas sim com coragem para mudar mentalidades e tolerâncias e para não mais permitir a influência como negócio, devendo-se, antes, democratizar canais e abrir, de forma transversal, a comunicação e a sensibilização institucional.

As palavras de circunstância valem muito pouco, até porque muitos dos envolvidos nesta teia de ligações e de relações perigosas sempre foram muito eruditos no seu discurso. Não nos podemos resignar e continuar a tolerar falsos moralismos e moralistas de algibeira, personagens de excessiva teatralidade e artificialidade, sem percurso e sem obra, que se colam a instituições sérias e que, depois, se servem de todo o tipo de canais para alcançar vantagens ilegítimas. Não tenhamos ilusões: muitos dos que, nas palavras, se apresentam como expoentes máximos da ética e da moral, como defensores de grandes causas, são os que, nas movimentações sub-reptícias e nos comportamentos ocultos, trazem os maiores perigos para as instituições democráticas, para o estado de direito e para a democracia.