Ovelhas negras
“És mais parecida com a mãe.” – Afirma um adulto.
“Não, não, ela é mais parecida com o pai.” – Diz o outro adulto.
“Eu sou parecida comigo mesma.” – Responde a criança, determinada.
Crescemos a escutar comparações a todos os níveis, como se tivéssemos que seguir sempre as pisadas dos nossos antepassados e não nos fosse dada qualquer escolha. Às crianças, muitas vezes, traçam caminhos que não são os delas e exigem que sejam boas nisto ou naquilo, quando elas têm outros talentos prontos a eclodir para o mundo. Mais tarde, são encaminhadas para carreiras profissionais porque são “as melhores”, ou servem melhor às necessidades da família naquele momento, só que nem sempre as realizam enquanto pessoas. Seguem determinados padrões familiares porque é o mais aceite, e não querem problemas. Depois, vão tentando colmatar os vazios dentro de si através de escapes como vícios e consumismo.
Cada criança é uma pessoa, mas nem sempre é vista como tal. Nasce com um caminho próprio, com capacidades inatas, com defeitos e qualidades, com sentimentos. Em primeiro lugar, precisa de amor e compreensão, para que se sinta segura e seja amparada ao longo do seu crescimento, educada para olhar o mundo duma forma ampla, com respeito, e perceber a responsabilidade de fazer as suas próprias escolhas, e os tesouros e os perigos que o mundo oferece. As crianças e os jovens não são moldes, nem têm que reproduzir as expetativas dos adultos da família. Têm direito à diferença. A serem quem são e a deixarem brilhar a sua luz cá para fora.
Há quem se encaixe nos padrões, ou faça por se encaixar. Seja por achar que só assim terá sucesso numa área, ou que dessa forma irão olhar mais para si. No processo, acabam deixando a sua essência lá bem escondidinha, disfarçando quem são realmente e gerando camadas de proteções à sua volta, tendendo a apontar o dedo “aos outros” por tudo o que de mal lhes acontece. Aparentemente, a vida é mais fácil neste planeta para as pessoas brancas, bonitas, heterossexuais, magras, “com estudos” e carreira estável. Mas onde fica a diversidade? Nesta Era onde se valoriza tanto as aparências, o exterior e os “likes” e os “je suis contra isto e aquilo”, com alguma hipocrisia, esquecemo-nos por vezes daquelas pessoas, crianças, jovens e adultos, que não se encaixam na norma dominante. As ditas “ovelhas negras”, as pessoas “diferentes”, que muitas vezes são silenciosas e discretas, com um mundo gigante e bonito dentro de si raras vezes compreendido pela maioria. As pessoas que diariamente enfrentam desafios para sobreviver, e não têm nem tiveram escolhas, mesmo que quisessem fazer diferente.
Quando falamos de Direitos Humanos, cujo Dia Internacional se celebra a 10 de dezembro, devemos abordar o direito a Ser. O direito a quebrar estereótipos, ou as caixinhas onde nos querem encaixar à força desde que nascemos. Os meninos também podem vestir rosa, e as meninas também podem ser excelentes jogadoras de futebol. Os homens também choram e demonstram emoções. A nossa orientação sexual não é uma escolha, é simplesmente de quem gostamos. E nem todas as mulheres nasceram para ser mães. Poderia alongar-me indefinidamente nesta lista, que de certeza gerará algum debate.
Na verdade, nesta quadra natalícia, e apesar daquela tristeza que surge pela ausência física do meu pai e da minha avó paterna, desde há alguns anos, os melhores presentes não se encontram na Black Friday ou nas lojas de marca. Estão dentro de nós e na compreensão e amor que podemos dar a quem nos rodeia, sem qualquer interesse, aceitando naturalmente as características únicas de cada pessoa, sem julgamentos. Desde que haja respeito e a noção de que a minha liberdade termina onde a da outra pessoa começa. Aproveitando a presença de quem cá está e desfrutando a vida.
A criança do início do artigo era eu. E segui e continuarei a seguir o meu próprio caminho. Muita paz, saúde e amor para todas as pessoas neste Natal.