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Arquitectura e restauro

Esta cacofonia de res nada adianta quando se pretende falar de Arquitectura e do seu Restauro

Quando se fala de património construído, é importante estabelecer a diferença entre reabilitar, recuperar, revitalizar, requalificar, regenerar... Eu não sei qual é. Para dizer a verdade, não quero saber. Do meu ponto de vista, esta cacofonia de res nada adianta quando se pretende falar de Arquitectura e do seu Restauro – duas disciplinas historicamente dotadas de uma teoria crítica e correspondente prática. Restaurar é, por definição, actuar sobre uma pré-existência com um determinado objectivo, que pode ser apenas o de assegurar o seu estado de conservação, o de proceder ao seu completamento ou, eventualmente, à sua ampliação. Já no que diz respeito aos res, ninguém sabe muito bem sobre o que actuam, como actuam, nem o que os distingue.

Sabe-se, isso sim, que os res têm uma história. Em 1964 – já o Restauro, como disciplina, existia há mais de um século – a Carta de Veneza conferiu carácter monumental não só ao objecto arquitectónico isolado, mas também ao conjunto urbano onde este se inseria. Foi neste contexto que surgiram, na década seguinte, as chamadas operações urbanísticas de regeneração, revitalização ou requalificação urbana dos ditos “centros históricos”. E foi com elas que, atrelado ao léxico das muitas disciplinas que estas complexas operações convocavam – sociologia, economia, o direito, a geografia e essa pseudociência que dá pelo nome de “urbanismo” – nasceu o jargão cacofónico dos res.

Sempre fascinados com a terminologia alheia, os arquitectos apressaram-se a adoptá-lo. É importante, todavia, que não se confundam os alhos da Arquitectura com os bugalhos dos outros. Tomemos alguns exemplos de restauro na cidade que nos está mais próxima: o Funchal. Foi restauro o que fez Raul Lino, nos anos 40 do século passado, ampliando e transformando ao jeito neojoanino o actual edifício da CMF? Não tenho dúvidas que sim, – dá, aliás, pelo nome de restauro estilístico. Foi restauro o que a DGEMN fez no Convento de Santa Clara, por essa mesma época, demolindo algumas capelas setecentistas para trazer o edifício à sua “essencialidade” manuelina? Embora polémico, não duvido que o tenha sido, como o foram – quem o lembra é o Professor Alves Costa – os restantes restauros da DGEMN. São de restauro as muitas intervenções que, nos últimos anos, tem incidido sobre os anónimos edifícios do antigo Funchal de intramuros? Sem dúvida que sim. Foi restauro a reconstrução do antigo Portão dos Varadouros demolido em 1911? Não me parece. Apenas porque o que ali está é uma caricatura do que lá esteve...

Falemos, pois, apenas de Restauro e de Arquitectura. Mesmo se, com o mudar dos tempos, mude o olhar sobre o património construído e a forma como o restauramos. O resto é conversa de chacha.