Os velhinhos voltaram e trouxeram os bólides
Regressei no tempo 30 anos. Ao tempo em que trabalhava nesta redação e acompanhei os campeonatos regionais de ralis, incluindo a então prova rainha do automobilismo. Só tenho pena que o Vinho Madeira hoje não passe de uma aia…
Estamos todos 30 anos mais velhos, deu para ver isso na prova noturna, quando no final da classificativa que devia acabar no Terreiro da Luta os velhinhos do meu tempo chegavam, uns atrás dos outros, em fila indiana. Na primeira passagem… na segunda passagem… foi um fartote. Os cromos, incluindo eu, estávamos todos lá. O António Castro, o Abel Spínola, o Vasco Silva, o Victor Sá… as máquinas. Ai, as máquinas. Pois, o problema eram as unhas para aquelas guitarras afinadas.
Uma coisa é certa. Mais dez anos andamos todos a levar as algálias para a serra e as caixas dos medicamentos nos bolsos. Alguns deles devem ter tido dificuldades em entrar e sair dos carros, porque os bólides continuavam do mesmo tamanho, mas as barrigas de alguns, nem por isso. Ouvi uma história de alguém que perdeu a prótese pelo caminho, vi os espectadores empurrarem um Alpine ao longo de vários metros e reencontrei o piloto na Avenida do Mar mais tarde. Juro que ele, sentado no canteiro de braços cruzados e fato macaco, parecia estar à espera do “horário” para voltar ao hotel. O Alpine jazia uns metros à frente, mas o Paulo Bazenga, que desafiou os espectadores a empurrar o bólide estava todo contente, porque ainda tinha pujança para dar balanço ao carro no Terreiro da Luta e ele só parar na Avenida. A diferença é que antes conduzia e agora empurra. Foi um fartote.
Sábado rumei à curva da Portela. A primeira passagem a seco, a segunda com chuva a dar com um pau. Deu para nos abrigarmos todos debaixo da mesma varanda, Simplício Pestana, Amândio Moura e outros. Miguel Nunes incluído, mas ele ainda não é “entradote” para estar nestas andanças. Ou havia tanta gente do meu tempo a continuar a gostar de ralis, ou estávamos todos ali pela mesma razão. Os velhinhos estavam de volta. Na estrada e na berma, em montes e empoleirados em lugares onde só os madeirenses sabem estar. Já se ouvia que o melhor era acabar com a prova de Agosto, já se gozava com o co-piloto que filmou a prova de telemóvel na mão, um ambiente que teve tanto de nostálgico, como de divertido.
Este é o rali de que me lembro. Enquanto o Alzheimer não me atacar vou procurar estar por perto, com os do meu tempo, com mais ou menos cabelos brancos, com mais ou menos netos, mas a verdade é que este rali trouxe aos madeirenses, pela segunda vez, as memórias de tempos áureos. Só é preciso repensar a prova da noite, porque alguns pilotos já não podem conduzir depois de uma certa hora. A vista já não é o que era. A minha também não, mas a memória é a mesma.