Timor-Leste foi enganado na construção de 'ferry' em Portugal
Presidente Ramos-Horta pede, ainda assim, mais investimento português no país
O Presidente timorense afirmou hoje que Timor-Leste foi enganado no processo da construção do 'ferry' Haksolok e que a aquisição dos estaleiros da Figueira da Foz constitui uma "segunda oportunidade" dada a Portugal.
"Eu diria que é uma segunda oportunidade que se dá aos estaleiros de Portugal. Espero que, das autoridades portuguesas e da empresa mista, agora haja muito maior profissionalismo, maior integridade para o benefício de Timor e dos estaleiros, com uma boa gestão, uma gestão inteligente", afirmou José Ramos-Horta, em entrevista à Lusa, não culpando o secretário-geral da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin), Mari Alkatiri, que negociou o processo.
E destacou: "Timor-Leste foi vítima, o doutor Mari Alkatiri é alguém que sempre privilegiou relações com Portugal".
"Falamos muito da dimensão económica, fazemos reuniões, fazemos fóruns", no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), referiu o chefe do Estado, mas "foi primeira vez, com os projetos em Oecusse, que o doutor Mari Alkatiri materializou aquilo que se fala" e trouxe "empresas portuguesas para Timor-Leste e encomendou o barco", que podia ter sido "encomendado facilmente na Coreia do Sul ou na China".
"Fez-se aqui e fomos logo enganados", disse, recomendando atenção às autoridades de Portugal para "não repetir essa experiência triste".
Timor-Leste investiu 12 milhões de euros na aquisição de 95% dos estaleiros da Figueira da Foz, infraestrutura que entrou em insolvência e que tinha praticamente como único cliente a construção do 'ferry' Haksolok, que devia ligar a capital timorense, a ilha de Ataúro e o enclave de Oecusse, no oeste do país, na altura gerido por Mari Alkatiri.
O orçamento inicial da embarcação, em 2014, era de 13,3 milhões de euros e este investimento global na Figueira da Foz terá agora que ser rentabilizado com outros projetos.
"Os estaleiros podem ser altamente rentáveis", até porque "Portugal tem essa tradição de engenharia naval" e "não tem que ser necessariamente para fazer barcos para Timor-Leste, mas para o mercado internacional", afirmou Ramos-Horta, que comparou a compra da empresa da Figueira da Foz com outros investimentos financeiros feitos com os dinheiros do fundo petrolífero.
"É igual ao investimento que estamos a fazer nos 'eurobonds' e no mercado internacional", resumiu.
A operação de compra do Haksolok é uma das mais polémicas dos últimos anos em Timor-Leste, causando intensos debates entre sucessivos governos e partidos políticos e, ainda agora gera fortes críticas a Mari Alkatiri e à Região Administrativa Especial de Oecusse-Ambeno (RAEOA).
O contrato para a construção do Haksolok foi assinado com a Atlanticeagle Shipbuilding em setembro de 2014 e os trabalhos arrancaram em 2015, mas estão parados há vários anos.
Depois de um pedido de insolvência, a AtlanticEagle Shipbuilding viu aprovado em 96% um Plano Especial de Recuperação, com os votos favoráveis da Autoridade Tributária, Segurança Social e do maior credor, precisamente a RAEOA.
Mais investimento português, em particular farmacêutico
O Presidente timorense apelou para o aumento da presença empresarial portuguesa no país, aproveitando o facto de Timor-Leste estar a concluir a entrada na Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla inglesa).
Em entrevista à Lusa, José Ramos-Horta, que está de visita a Portugal esta semana, defendeu o reforço da cooperação empresarial bilateral, considerando que Timor-Leste é uma porta de entrada para um mercado de 700 milhões de habitantes.
Cumprindo a tradição dos Presidentes timorenses de fazer em Portugal a primeira visita de Estado à Europa, José Ramos-Horta incluiu na comitiva governantes e representantes económicos de modo a que estes dias não sejam apenas "formalidades, troca de discursos, de amizade entre os povos e entre as instituições".
"A cooperação bilateral Portugal Timor-Leste tem sido contínua desde a restauração da independência em vários domínios e Portugal tem sido um parceiro importante" na justiça, na educação, na formação, na defesa e na segurança.
Mas, Ramos-Horta quer, em articulação com o governo timorense, "intensificar as relações comerciais e económicas", aproveitando o momento em que o país está a entrar na ASEAN.
"Porque não instalar em Timor, por exemplo, a indústria farmacêutica, indústria de engenharia médica, equipamento médico e fazer de Timor-Leste um entreposto de produtos portugueses para reexportação?", questionou, salientando que o país está a apostar no processo de integração regional.
Jacarta e Dili estão a negociar uma "área grande de comércio livre" junto às fronteiras para promover exportações dentro da sub-região, explicou Ramos-Horta, salientando que as empresas portuguesas podem recorrer ao Banco Nacional Ultramarino, da Caixa Geral de Depósitos, "neste processo de apoio a empreendimentos portugueses em Timor-Leste".
Portugal e Timor-Leste integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), uma estrutura "pluricontinental", mas falar "da cooperação na área económica [dentro da CPLP] não é realista", pelo que esses acordos devem ser feitos a nível bilateral.
"Une-nos a língua portuguesa e não só, os valores, a história, os valores culturais, valores e princípios, solidariedade, fraternidade", disse, sobre a CPLP, mas "cada um está na sua região" e tem relações económicas privilegiadas junto das suas fronteiras.
E acrescentou: "pelas relações de confiança, procuro dar oportunidade aos investidores portugueses", explicou Ramos-Horta, procurando justificar o foco na atração de investimento.
"Se [os empresários portugueses] não querem pegar, não conhecem a região, têm medo de arriscar, tudo muito bem. Vou falar aos chineses, coreanos e australianos", avançou.
"Daqui a uns anos, em vez de vermos uma grande empresa farmacêutica portuguesa em Timor-Leste, veremos uma grande empresa farmacêutica chinesa ou coreana", resumiu Ramos-Horta.