Marrocos considera "um exemplo" cooperação com Espanha contra imigração ilegal
Marrocos defendeu hoje que a cooperação com Espanha no combate à imigração ilegal é "um exemplo" e que a morte de 23 pessoas em junho em Melilla foi um "evento anormal", embora possa haver lições a retirar desse dia.
Marrocos e Espanha são "um exemplo de cooperação bem sucedida" e "o único caso de sucesso" no combate à imigração ilegal na região do Mediterrâneo, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) de Marrocos, Naser Burita, em Barcelona, numa conferência de imprensa ao lado do homólogo espanhol, José Manuel Albares.
Naser Burrita defendeu que o que aconteceu na fronteira da cidade espanhola de Melilla com Marrocos, em junho, "não foi um evento normal" e que, além de "muito violento", "não foi um movimento espontâneo".
O ministro marroquino defendeu que Espanha e Marrocos lidam com estes fenómenos de forma responsável e com objetivo e "desincentivar o tráfico humano".
Ainda assim, admitiu que pode haver "lições a retirar" do que aconteceu em Melilla e que uma missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos de Marrocos esteve no local, sem dar mais detalhes.
"Se houver lições a retirar, serão retiradas", assegurou.
A atuação das forças de segurança espanholas e marroquinas em junho, em Melilla, tem sido questionada por diversas entidades internacionais, como as Nações Unidas.
A 24 de junho, perto de 2.000 pessoas tentaram saltar as vedações que separam Marrocos de Melilla e entrar a cidade espanhola, um enclave de Espanha em território marroquino, e 23 acabaram por morrer.
Espanha e Marrocos têm defendido a atuação das suas forças de segurança e dizem que foi um ataque "muito violento" à fronteira, com muitas das pessoas que queriam passar para o lado espanhol armadas com machados e rebarbadoras.
Em Espanha, foram abertas investigações pelo provedor de Justiça e pelo Ministério Público, ainda não concluídas.
No entanto, o provedor de Justiça, num primeiro relatório, questionou a atuação da Guarda Civil espanhola, levantando a suspeita de entregas "sumárias" de migrantes à polícia marroquina, sem respeito pela lei, de falta de assistência a feridos ou de lançamento de pedras e utilização de 'sprays' contra quem tentava saltar a fronteira.
Num comunicado, o Ministério da Administração Interna sublinhou que este relatório é de outubro e que já prestou esclarecimentos posteriormente e enviou mais documentação ao provedor.
"Todos as recusas na fronteira foram realizadas com a legislação vigente" e "a Guarda Civil em nenhum momento omitiu o dever de auxílio", acrescenta a nota do ministério.
O MNE espanhol não falou hoje diretamente sobre o caso de Melilla na conferência de imprensa ao lado do homólogo espanhol, mas congratulou-se com a "nova etapa" das relações entre Espanha e Marrocos, iniciada em abril passado com a assinatura de um "programa de ação" que "já deu frutos", entre outros aspetos, no combate à "imigração irregular" procedente de África que tem "Marrocos como país de trânsito".
Segundo Albares, estes fluxos migratórios diminuíram 30% desde abril.
Também as trocas comerciais entre os dois países cresceram 30%, com as exportações espanholas para Marrocos a alcançarem 7.000 milhões de euros desde o início do ano, acrescentou.
Segundo os dois ministros, a cimeira entre Espanha e Marrocos vai realizar-se na última semana de janeiro ou na primeira de fevereiro, em território marroquino, e também se fará a primeira passagem de mercadorias pelas fronteiras terrestres de Ceuta e Melilla no início de 2023.
Albares e Burrita falavam antes do início do 7.º Fórum Regional da União para o Mediterrâneo, que junta hoje em Barcelona os chefes da diplomacia da União Europeia (UE) e dos seus 27 estados-membros com os MNE de mais 15 países do Mediterrâneo.
Naser Burrita destacou que está em Espanha pela primeira vez desde 2019, para atestar a boa fase das relações entre os dois países.
As relações diplomáticas entre Marrocos e Espanha foram conflituosas durante quase um ano, entre abril de 2021 e março deste ano, quando o governo espanhol mudou de posição em relação ao Saara Ocidental.
Na origem do conflito esteve a estada em Espanha em abril de 2021 do líder do movimento independentista sarauí Frente Polisário, para ser tratado na sequência de uma infeção causada pela covid-19.
Para resolver o conflito, em março passado, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, enviou uma carta ao Rei marroquino, Mohamed VI, na qual afirmava que a proposta apresentada por Rabat em 2007, para que o Saara Ocidental seja uma região autónoma controlada por Marrocos, é "a base mais séria, credível e realista para a resolução deste litígio".
O Saara Ocidental é uma antiga colónia espanhola ocupada por Marrocos há 47 anos, no contexto de um processo de descolonização.
Espanha defendeu durante muito tempo que o controlo de Marrocos sobre o Saara Ocidental era uma ocupação e que a realização de um referendo patrocinado pela ONU deveria ser a forma de decidir a descolonização do território.
Depois da carta que enviou ao Rei de Marrocos, Sánchez visitou Rabat e os dois países fizeram a declaração conjunta, em abril, que normalizou o tráfego fronteiriço e as relações bilaterais.
O episódio ocorrido em Melilla, em 24 de junho deste ano, que mereceu a pronta atuação da polícia marroquina, foi bem diferente dos de maio de 2021, em Ceuta, quando 10 mil pessoas entraram na cidade porque, num momento de más relações entre os dois países, Marrocos aligeirou os controlos fronteiriços e fez sentir a Espanha o peso da pressão migratória e do descontrolo dos fluxos de pessoas que querem entrar em territórios europeus.
As cidades de Ceuta e Melilla são dois enclaves espanhóis em território de Marrocos e são as duas únicas fronteiras terrestres da UE com África.