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A casa da Nani

Corria o ano de 1973, era militar miliciano em Sacavém, conheci a Nani na altura anotadora e tradutora da RTP, residente junto ao Cinema Vox, em Lisboa, tinha 2 filhos, o Tó e a Pepé, e seu marido capitão piloto aviador estava lá longe, onde o sol castiga mais, onde se luta e morre na frente de combate das colónias.

Queria casar-me, a namorada queria estudar, trabalhava como escriturária e à noite cursava Medicina.

Combinamos o seguinte: Nani deixava-nos ficar num quarto livre do seu apartamento, com a condição de tratarmos dos filhos dela 2 dias por semana. Não houve contrato escrito, palavra dada palavra honrada.

1973 foi o ano do Congresso Democrático de Aveiro, onde a polícia carregou forte e feio sobre os participantes, onde estavam até alguns futuros capitães de Abril.

1973 foi o ano do golpe de Pinochet no Chile democrático. Neste ano aumentava a resistência ao fascismo em todas as frentes, dentro das forças armadas quer os capitães de Abril, quer os milicianos de Abril lutavam de forma diferente pelo derrube da ditadura. A Acção Revolucionária Armada, ligada ao PCP, tinha feitos notáveis ao destruir os aviões da Força Aérea em Tancos, o ataque ao navio Cunene e destruição das linhas de alta tensão.

Na casa de Nani fervilhava os contactos com gente da cultura progressista, António Ramos, Rogério Pedro e tantos outros, cada um levava qualquer coisa e assim se conversava e lutava pela democracia. Nani era uma mulher total, filha da burguesia açoreana seu pai director de departamento do governo de Marcelo, ela mulher total, olhos que feriam os olhos dos outros, gestos e sorrisos transbordavam daquele corpo e de uma mente revolucionária. Os putos dormiam e nós os três íamos ouvir a Rádio Voz da Liberdade, a Rádio Portugal Livre. Era preciso saber de tudo e eu trazia informação revolucionária das forças armadas, boletins clandestinos pela democracia, pela descolonização, contra o fascismo.

O casalinho fez os papéis na Conservatória e ao fim da tarde os nossos amigos e familiares, todos tesos, levaram os croquetes, os pastéis de bacalhau e a fraternidade e assim tivemos o banquete de casamento.

Participei activamente na Paz e na descolonização de Moçambique tendo sido convidado para Assessor do Ministro da Saúde de Moçambique, Hélder Martins.

Regressado da guerra encontrei diversas vezes a Nani, felicíssima com o processo revolucionário.

Mesmo depois de Novembro de 1975 Nani era a realizadora que ensinava os mais novos, era a mulher da vanguarda, fumava dois maços de tabaco por dia, e gostava do seu copo, regressou à sua tabanca em Sesimbra, na quinta dos pais, amava muito quem a amava

Quis saber da Nani , liguei ao Ângelo, meu ex-colega , que me informou que ela já não está do lado da vida terrestre.