França exorta Kosovo a aceitar proposta da UE para resolver diferendo com Sérvia
A França apelou hoje à Sérvia e "em particular ao Kosovo" para que aceitem a proposta da UE para resolver o diferendo sobre placas de matrículas, após o falhanço das conversações, com Bruxelas a responsabilizar Pristina.
A França "exorta as duas partes, em particular o Kosovo, a aceitarem a proposta de compromisso formulada pela União Europeia [UE]", declarou em comunicado a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros.
Em paralelo, os Estados-membros da UE terão chegado hoje a acordo para deixar de exigir vistos de curta duração aos cidadãos do Kosovo a partir de 2024, atendendo desta forma a um pedido histórico de Pristina com mais de seis anos, bloqueado por ausência de acordo entre os 27.
Fontes diplomáticas terão confirmado à agência noticiosa Europa Press o acordo, que deverá ser formalmente aprovado na quarta-feira na reunião de embaixadores da UE.
No entanto, o Presidente sérvio Aleksandar Vicic e o primeiro-ministro albanês Albin Kurti não chegaram na segunda-feira a acordo após reuniões em Bruxelas que se prolongaram por oito horas e com o objetivo de solucionar o contencioso em torno das matrículas das viaturas que circulam na ex-província sérvia e que motivou um agravamento das tensões nesta região dos Balcãs.
Numa lacónica declaração, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, disse que a Sérvia aceitou as propostas europeias, ao contrário da parte kosovar.
As discussões de segunda-feira estiveram perto de um acordo, pelo qual Pristina não aplicaria multas aos proprietários de veículos com matrículas sérvias, enquanto Belgrado não entregaria novas placas sérvias, mas no final o líder albanês kosovar rejeitou a proposta.
O ultimato de Pristina terminava na segunda-feira, mas os sérvios kosovares -- uma minoria no Kosovo e que se concentram sobretudo no norte, junto à fronteira com a Sérvia -- continuam a rejeitar a medida, que consideram um forma de reduzir os seus direitos.
"A França apoia plenamente a mediação europeia, que deve permitir progredir em direção a um acordo global e juridicamente vinculativo entre a Sérvia e o Kosovo e avançar no sentido da perspetiva europeia dos dois países", prosseguiu a porta-voz francesa, numa referência à UE desde 2011 tenta uma solução para as divergências entre as duas capitais.
"Apelamos vivamente às duas partes que prossigam as discussões nos próximos dias num espírito de compromisso e que sejam aplicados os acordos já concluídos, incluindo as disposições relacionadas com a Associação/Comunidade dos municípios de maioria sérvia", acrescentou o Quai D'Orsay, que também alertou para "qualquer ação unilateral suscetível de alimentar as tensões".
De acordo com a proibição imposta pela liderança albanesa local, cerca de 10.000 sérvios do Kosovo que possuem viaturas com matrículas consideradas ilegais por Pristina deveriam ser notificados até segunda-feira, e de seguida multados caso não cumpram a norma exigida. Desta forma, as autoridades albanesas asseguraram que começariam a aplicar a partir de hoje uma multa de 150 euros pelo uso de matrículas sérvias, habituais entre a população sérvia do norte do território.
Pristina indicou ainda que a partir de 21 de abril que apenas será permitido circular com matrículas temporárias emitidas pelas autoridades albanesas kosovares.
Em 05 de novembro, em protesto pelo ultimato, dez deputados sérvios, dez procuradores e 576 oficias da polícia da região de Mitrovica, norte do Kosovo, demitiram-se dos seus cargos em protesto por esta decisão, e que ocupavam no âmbito dos acordos garantidos durante o "diálogo de normalização" promovido pela UE, enquanto dezenas de milhares de pessoas se manifestavam nas ruas.
Os representantes dos sérvios do Kosovo também exigem que Pristina respeite um ponto crucial do acordo de 2013 assinado em Bruxelas e relacionado com a formação de uma associação de municípios sérvios, e que prevê um relativo grau de autonomia.
Belgrado nunca reconheceu a secessão do Kosovo em 2008, proclamada na sequência de uma guerra sangrenta iniciada com uma rebelião armada albanesa em 1997 que provocou 13.000 mortos, na maioria albaneses, e motivou uma intervenção militar da NATO contra a Sérvia em 1999, à revelia da ONU.
Desde então, a região tem registado conflitos esporádicos entre as duas principais comunidades locais, num país com um terço da superfície do Alentejo e cerca de 1,7 milhões de habitantes, na larga maioria de etnia albanesa e religião muçulmana.
O Kosovo independente foi reconhecido por cerca de 100 países, incluindo os EUA, que mantêm forte influência sobre a liderança kosovar, e a maioria dos Estados-membros da UE, à exceção da Espanha, Roménia, Grécia, Eslováquia e Chipre.
A Sérvia continua a considerar o Kosovo como parte integrante do seu território e Belgrado beneficia do apoio da Rússia e da China, que à semelhança de dezenas de outros países (incluindo Índia, Brasil ou África do Sul) também não reconheceram a independência do Kosovo.
A UE considera que a normalização das relações entre a Sérvia e o Kosovo é condição indispensável para uma potencial adesão. No entanto, as negociações mediadas por Bruxelas permanecem num impasse, fazendo recear o regresso à instabilidade mais de duas décadas após o final do conflito.