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A Ilha Resort

Aos poucos e poucos, as cordas à volta do pescoço das gerações mais jovens começam a apertar

À medida que nos aproximamos de 2023, muitos não sabem o que o futuro lhes guarda quando observam a atual situação do país. Em Portugal, e com maior intensidade na nossa terra, observamos cada vez com mais certeza que é impossível avançar/fazer vida nas atuais condições económicas em que vivemos. Por um lado, temos dos salários mínimos mais baixos da União Europeia e, por outro, o custo de vida continua a aumentar de forma descontrolada, refletindo-se estes aumentos principalmente em bens de consumo, bens energéticos e, como é claro, no mercado imobiliário.

Na Madeira, ainda assistimos a uma componente extra da degradação económica do “Zé Povinho” português: a transformação da ilha num destino exclusivamente para turistas e de sobrevivência zero para as suas gerações empregáveis mais novas.

Na verdade, esta semana surgiu um exemplo perfeito do reforço desta ideologia de “resortificação” da Madeira. O presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, surgiu a defender a “estratégia” de importação de mão-de-obra para o trabalho pouco qualificado regional. E, nessa linha, explicou o porquê de existir falta de mão de obra em certos sectores, em concreto o da hotelaria: “92% dos jovens madeirenses concluem o 12º ano. Desses, 87% seguem para o ensino superior. Sobram 12 a 14% para o ensino técnico-profissional. Acabam quase todos com qualificação e, assim, não querem regredir e aceitar trabalho pouco qualificado” (in DN, 09/11/2022). Ou seja, a fim de fortalecer aquele que é já é o sector mais privilegiado na Madeira, é sustentado que o caminho para fazê-lo é através de mão-de-obra importada.

Na explicação de Albuquerque, sobressaem negativamente dois pontos: primeiro, a inferência de que quem se forma tem automaticamente trabalho dentro da sua área (numa boa parte dos casos, para não dizer na maioria, quando consegue trabalho não é na ilha); e, em segundo, a afirmação de que os formados não querem “regredir e aceitar trabalho pouco qualificados” ou, por minhas palavras, “eles é que não querem trabalhar”.

Em relação a este último ponto, desde que a nossa sociedade entrou nesta era mais individualista, em que, por culpa de ambas as partes, se desenvolveu uma hostilidade entre as gerações mais velhas e as mais novas, este argumento de “os jovens é que não querem trabalhar” se tornou a escolha mais popular para os empregadores não darem condições mínimas (e legais) aos seus trabalhadores. Que há jovens e recém-formados que não querem trabalhar a não ser que recebam o que querem e que façam as horas que bem entendem, há-os sim, mas não esqueçamos que também existem empregadores que são incapazes de fornecer o mínimo dos mínimos aos seus colaboradores.

Nesse sentido, antes de aplicarmos a velha e reutilizada censura aos trabalhadores jovens, talvez seja tempo de também passar os olhos pelas entidades empregadoras que tanto se queixam de falta de mão-de-obra.

Relembro, portanto, que a busílis da questão não é a de se querer ou deixar de se querer “regredir”, é antes a de se ter de trabalhar e de se necessitar de uma fonte de sustento, ainda mais quando muitas são as vezes em que são os trabalhos pouco-qualificados os únicos em que os muitos formados e não formados conseguem começar a sua vida laboral.

Aos poucos e poucos, as cordas à volta do pescoço das gerações mais jovens, qualificadas ou não, começam a apertar cada vez mais e na nossa ilha, onde o turista é a personagem principal e o turismo é o mercado dominante, tal decisão de se priveligiar a mão-de-obra não nativa e de se censurar os trabalhadores que não têm condições de trabalho só vem selar o destino da Região enquanto Ilha Resort.