Crónicas

Dos Orçamentos e da Constituição

Este Orçamento Regional é, na sua grande maioria, despesista e improdutivo

1. Disco: no início de Setembro saiu “Coral”, o último trabalho dos The Gift. Quem esperava mais daquilo que tem sido o percurso da banda de Alcobaça, desengane-se ao que vai. Este disco distancia-se de tudo o que ouvimos com origem no projecto de Nuno Gonçalves e Sónia Tavares. É quase uma obra sinfónica. Belíssimo, envolvente.

2. Livro: Ray Dalio é um dos mais importantes investidores americanos. Alguém em quem se pode confiar a gestão de bens financeiros sem correr grandes riscos. Em “Princípios para Lidar com a Nova Ordem Mundial, Porque falham e triunfam as nações” embarcamos numa viagem que, passo a passo, nos leva em busca de explicações para a emergência e queda de sistemas. Muita informação que, para leigos interessados como eu nos assuntos da economia e as suas dinâmicas, deve ser lida devagar. Se abraçarem esta aventura, leiam, simultaneamente, algo mais ligeiro. E pensem muito sobre o que vão lendo. Ainda não o acabei, mas não tenho problema algum em incluí-lo na lista dos melhores que li este ano.

3. Foi uma semana cheia de coisas sobre o que pensar. Orçamentos (regional e nacional), revisões constitucionais (uma série de projectos de outros tantos partidos), as tricas do costume e as coisas de sempre. Mas vamos por partes.

4. Até meio da semana estive bastante ocupado com o Orçamento da República. Uma série de pontos tinham a ver com a Madeira, tanto na estrutura proposta, como nas alterações recomendadas pelos partidos. Na Iniciativa Liberal não temos deputados pela Madeira, infelizmente, mas os madeirenses não são esquecidos e, todos os anos, os liberais madeirenses debruçam-se sobre as propostas sugerindo alterações e orientações de voto. Os deputados da IL, mesmo eleitos por círculos eleitorais diferentes, representam todos os portugueses.

Assim, só na quarta-feira tive disponibilidade para me dedicar ao Orçamento da Madeira. Deixo ficar aqui, porque ainda estou a digerir uma série de coisas que lá vêm, as minhas primeiras impressões.

Uma região que gasta metade do seu dinheiro em itens improdutivos nunca poderá prosperar. Isto é uma norma que não se pode renegar. E este Orçamento é, na sua grande maioria, despesista e improdutivo. O OR é nocivo à economia e facilitador do despesismo concentracionário do Governo. As contas da Autonomia para 2023 estão centradas em finais de Setembro, inícios de Outubro do próximo ano, altura em que terão lugar as eleições regionais. Não apresenta nada focado no médio e no longo prazo, porque isso não dá votos. Não sugere, vagamente sequer, nada de reformista.

Estamos em presença de um documento míope, eleitoralista e feito de remendos sobre remendos. Mais uma oportunidade perdida de, até porque o PRR anda por aí, efetuar as reformas que a Madeira tanto precisa. Todos os anos a irresponsabilidade do PSD, agora com o CDS ao colo, adia o que não devia ser adiado, mas sim afrontado: a reforma do ensino, da saúde, da autonomia, das finanças, do modelo económico. Só para começar.

A demografia, que devia estar no topo da discussão, fica de lado. Reformas que incentivem a natalidade nem vê-las. E o horizonte de sustentabilidade do mercado laboral e da segurança social é cada vez mais negro.

Como é sabido, sou sempre favorável à redução de impostos. Deixar mais dinheiro na economia, retirando-o ao despesismo do estado, fortalece-a e proporciona a criação de riqueza. Logo, nada a opor às, poucas, reduções de impostos que o Orçamento traz, embora as migalhas dadas nos 3º 3 4º escalões sejam todas absorvidas pela inflação. Tenho outra visão das coisas. Mais de 50% dos madeirenses não pagam IRS, logo mais de metade da população não beneficia em nada com isso. Ou seja, nem no topo, nem na base há beneficiários. Isto não é uma questão de preferência, é uma questão de apoio a todos. O IRS, IRC e IVA deveriam descer os 30% que a legislação permite. Tal qual nos Açores.

Um Orçamento é uma declaração de intenções. Preocupamo-nos muito com isso e muito pouco com a sua execução. No final de cada trimestre, os governos deveriam ser obrigados a prestar contas políticas da execução do que viram aprovado. Prestam? Não. É por isso que não só me preocupa o que vai nas contas apresentadas, mas também tudo o que nelas não aparece e com que, geralmente, somos surpreendidos.

5. Urgem políticas de proximidade, de envolvimento. Políticas que sejam, só por si, transparentes. Que se denote uma preocupação pelo sentir de todos. A insegurança grassa por todo o lado e os responsáveis políticos dizem que isso não é nada de importante. Precisamos urgentemente de políticos com vocação para o serviço público e não de políticos com intenção de se servirem do mesmo. Numa frase, precisamos de política de utilidade.

6. Embora tenha tido um Conselho Nacional dedicado às propostas apresentadas para revisão da Constituição da República, ainda só tive tempo de ler a da Iniciativa Liberal, claro, a do PS e a do PSD.

Gosto muito da do meu partido, pois é a que mais retira a carga ideológica que a Constituição ainda transporta.

A proposta do PS é cirúrgica e encerra dois momentos que são enormes ataques à liberdade individual: a questão dos Metadados e a possibilidade de declarar confinamentos e quarentenas, sem necessidade de declaração do Estado de Emergência. Terão aqui um enorme inimigo, valendo isso o que vale. O Partido Socialista tem esta monstruosa tendência de “brincar” com a liberdade dos portugueses, e estes têm de lutar por esse seu bem maior com toda a frontalidade. O perigo está não só na proposta, mas também no que o PSD estará disposto a aceitar, pois entre os dois farão os 2/3 necessários para que essas propostas passem.

Lemos ontem, nestas páginas, que António Costa se comprometeu a fazer uma revisão constitucional para as Autonomias. Fê-lo na Comissão Política Nacional do PS e Sérgio Gonçalves, o líder da estrutura regional, ficou todo contente. Esquece-se de um pequeno/grande pormenor: a Assembleia da República só pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão. Ou seja, qualquer outro tipo de revisão extraordinária terá de ver o seu início aprovado por 4/5 dos deputados, o que implica que o líder do PS fala, não só em nome do seu partido, mas também em nome do PSD, do qual não se sabe a posição.

As revisões da Constituição são sempre excelentes momentos para avaliar de que lado da Autonomia estão os partidos. A Iniciativa Liberal, é o único que apresenta mudanças significativas em relação à extinção dessa figura tutelar da Autonomia, que dá pelo nome de Representante da República. O PSD fala num NIM. Extingue o cargo, mas mantém um tutor que dá pelo nome de Mandatário do Presidente da República, que fica acometido das funções que o Representante tem. Para quem tanto fala de boca cheia da Autonomia, para quem se arroga a ser o cavaleiro branco da sua defesa, é de muito pouco, para não dizer ser ridículo.

7. A história é antiga. Vem dos tempos de Alberto João Jardim. Dividiam-se as coisas entre o “nós” e o “eles”. De um lado, o PSD Madeira e do outro, o “resto”, a oposição. O jeitão que esta bipolarização forçada tem dado ao PS e aos seus derivados. Não ganham, nem saem de cima.

E com isto os madeirenses têm posto na borda do prato o resto. Caminhamos para 50 anos de Autonomia e continuamos na mesma: de olhos fechados, recusando ver as corruptelas dos socialistas laranja do PSD e dos socialistas rosa do PS. Há mais mundo para além do que nos querem obrigar a ver.