Festa dos Santos, Memória dos Defuntos
Recentemente o papa Francisco, a propósito da festa da Assunção de Nossa Senhora, lembrou que na pessoa não há separação entre corpo e a alma; Ela foi levada em corpo e alma ao céu. Nestes dias de novembro, em que se celebram os que nos precederam no tempo, somos estimulados a inventar modos de os tornar presentes no seu todo. A maneira mais significativa é avivar relações através de lembranças, objetos, conversas, orações, visitas aos cemitérios e locais onde vivemos unidos. A fé na sua existência atual e no desejo que continuemos presentes na vida deles torna mais vivas as celebrações. A tristeza de lutos recentes mistura-se com as alegrias e com agradecimentos pelo bem que foram para nós. As flores que se oferecem exprimem saudade e alegria, a oração e outros gestos, a gratidão para com elas. As celebrações da fé cristã são expressões muito especiais e valiosas desta gratidão. Reza-se por eles para manter a relação de entreajuda e de renovação na fé; podemos concorrer, através da mediação de Jesus Cristo, para a sua felicidade e eles para a nossa. E ao invocar os santos, que a Igreja celebra na glória de Deus, renova-se a convicção da fé de que eles nos podem ajudar com a sua intercessão. Pedimos graças por sua intercessão junto de Deus, por terem sido santos e poderem socorrer os vivos como mediadores e assim dar glória a Deus.
Uma das maneiras de celebrar a memória dos nossos familiares que já foram para junto de Deus é lembrar o bem que fizeram e alegrar-nos por isso e animar-nos a imitá-los. Quando foram bons de forma excecional, como se requer para a Igreja os declarar santos, e praticaram as virtudes teologais e cardeais de forma heroica, nós pedimos a sua intercessão junto de Deus para obter graças e até milagres. Esta oração religa-nos com essas pessoas e com Deus numa convicção e união de fé cristã e confiança.
Nesta união, estamos distantes doutras posições de memória e relação com os santos e os defuntos que podem ser válidas, mas são diferentes. Quando a prémio Nobel da Literatura Olga Tokarczuk diz numa entrevista que «a cada momento vivemos no mundo dos mortos» e que falamos dos mortos como vivos por tudo o que usamos nos vir deles e eles estarem em tudo o que utilizamos, essa relação com os defuntos é significativa, mas não é a mesma da fé cristã a que nos referimos (cf.Luciana Leiderfarb, Viagem ao centro do mundo in E., 21.10.2022). Tão diferentes que nem eles estão mortos nem somos nós que os mantemos vivos. Os estranhos gestos Haloween, esses só desafinam as nossas tradições cristãs e mais ainda se representam demónios.
Nestes dias de novembro, outra experiência frequente para algumas pessoas pode ser a de inquietação por a memória de algum dos seus parentes se misturar com experiências dolorosas e traumatizantes pelo que foi vivido por ambos e, em vez de paz, se viver em dor pelo sucedido. A esperança que pode mitigar o sofrimento vem da misericórdia do Senhor, mesmo quando não a conhecemos, porque Ele espera para perdoar. Não sabemos quando alguém é perdoado, mas pode ter sido em momento que não imaginamos. Por alguma razão válida Jesus insistiu: “não julgueis e não sereis julgados”(Mt 7,1). Num instante, o inesperado pode ter acontecido mesmo nos últimos minutos da vida. Desde que visitei vários “hospícios”, centros de cuidados paliativos, e refleti sobre encontros familiares de reconciliação de doentes nos últimos momentos da sua vida, sensibilizei-me e acreditei sempre mais no que repetia aos formandos: os últimos minutos de vida podem valer mais que toda a vida de uma pessoa.
Estes dias são alerta para preparar o encontro com Jesus. João XXIII, no seu Diário de junho de 1957, escreveu: «Quero preparar-me para responder pronto! seja a que chamamento for, mesmo inesperado (…) como uma criança que se lança nos braços abertos do seu Pai». Mas nada impede que seja tão inesperadamente como aconteceu ao ladrão arrependido na cruz, momentos antes de morrer: «lembra-te de mim…». «Hoje estarás comigo no Paraíso». Ou ao Zaqueu: hoje quero ficar em tua casa. Encontros sublimes em plenitude!
Aires Gameiro