Mandamentos do 'mito' continuam a ser pregados à espera de uma intervenção militar
Milhares de pessoas concentraram-se hoje em frente ao quartel do exército em Brasília, num apelo para à intervenção militar para tirar 'o comunismo' do país, e continuaram a pregar os mandamentos do seu 'mito'.
Tendas montadas, venda de camisolas da seleção brasileira, a maioria com o número 10 do bolsonarista assumido Neymar, bandeiras brasileiras e milhares de pessoas a alternarem entre cânticos do hino e apelos à intervenção militar era o cenário vivido em frente ao Quartel-general do Exército Forte Caxias, no coração da capital do país.
Alessandra, de 44 anos, encontra-se no jardim em frente ao quartel num acampamento desde terça-feira e conta à Lusa que decidiu vir "para lutar pela liberdade" do seu país porque não quer o comunismo que Lula da Silva trará ao Brasil.
A brasiliense não tem dúvidas: as eleições presidenciais de domingo que deram a vitória a Lula da Silva foram fraudulentas e agora espera pelo relatório feito pelas forças armadas para que 'a verdade' seja restabelecida.
"Pretendo ficar aqui enquanto não for decidido. A minha tenda vai ficar aqui e a barraquinha também", prometeu.
Mais de 50 manifestações em frente a quartéis foram agendadas através das redes sociais num apelo ao Exercito para intervir num resultado que já foi aceite pela esmagadora maioria dos proeminentes apoiantes do Presidente brasileiro, da comunidade internacional, do Supremo Tribunal Federal, sendo que até o próprio Jair Bolsonaro, sem o mencionar verbalmente, já deu autorização para o início do processo de transição da pasta.
Contudo, em frente ao Quartel-general do Exército Forte Caxias ninguém acredita nisso e prometem lutar até ao fim.
"O nosso objetivo é que o nosso país seja livre, nós estamos na iminência de um futuro comunista", afirmou à Lusa, Liza, numa cópia do discurso repetido de forma constante por Jair Bolsonaro durante a campanha.
Quem manda é o povo, lembrou, dizendo contudo que é necessário mais que isso: "nós precisamos também das forças armadas para ajudar a gente"
O slogan em todas as manifestações bolsonaristas espalhadas pelo Brasil foi o mesmo: "Intervenção federal", ao abrigo do artigo 34 da Constituição nacional, que declara num dos seus pontos que o governo central pode intervir, se necessário e por qualquer meio possível, para garantir a "forma republicana, o sistema representativo e o regime democrático".
À Lusa, Ronaldo Sales, de 52 anos, frisou que quem aqui está neste chamamento em luta pela liberdade e contra o comunismo são "pessoas de bem, de família, trabalhadoras, não tem nenhum vagabundo, como a midia das trevas tem dito por aí".
"Homens e mulheres cristãos que querem o bem, que não apoiam ideologia de género, que não apoiam roubalheira e são a favor da moral de deus", continuou o homem que se identificou como pastor e oficial reformado numa quase réplica do que foi a tónica da campanha de Bolsonaro em relações aos costumes conservadores.
Ronaldo Sales recorda a declaração de terça-feira de Jair Bolsonaro de que este "agiu sempre dentro das quatro linhas", mas que desta vez é preciso mais: "Estamos pedindo uma intervenção para que seja feito uma lisura no processo eleitoral"
"Estou preparado até à hora que o movimento estiver acontecendo", prometeu.
A mesma promessa foi feita à Lusa pelo manifestante António: "ficar aqui enquanto eu puder e vou voltar quantas vezes forem necessárias porque o que está em jogo aqui é a liberdade"
"Estamos assustados com o que está acontecendo com as instituições do nosso país e temos poucos defendendo com coragem", à exceção de Jair Bolsonaro, disse, reforçando que é por isso necessário a "intervenção federal das forças militares".
"Na verdade é o nosso último recurso da ditadura de esquerda".
Marilene, de 45 anos, pediu à Lusa para falar e dizer que está ali não em representação do Presidente mas sim do povo e para "que as forças armadas entrem com o papel deles, que é entrar no STF, no Congresso Nacional e tomar posse daquilo que está lá dentro roubando o povo".
Em paralelo, prosseguiram durante o dia de hoje os bloqueios em cerca de 150 pontos em 15 dos 27 estados do país e em muitos casos foram apenas parciais, obstruindo mas não bloqueando completamente o tráfego.
O protesto dos camionistas começou a perder intensidade depois de Bolsonaro ter concedido a derrota e determinado que o Governo iniciaria o processo de transição com a equipa de Lula, que está agendado para quinta-feira.
Bolsonaro fez uma declaração sobre o resultado das eleições na terça-feira, cerca de 45 horas após a contagem oficial ter condenado a vitória do líder progressista.
Num breve discurso, disse que os protestos foram "o resultado da indignação e de um sentimento de injustiça pela forma como decorreu o processo eleitoral".
Disse que as "manifestações pacíficas" eram "bem-vindas", mas reforçou que os seus métodos "não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população", e salientou que ninguém pode impedir "o direito de ir e vir".