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Por um Sistema Fiscal Específico (Parte II)

Pode a RAM adoptar um “sistema fiscal próprio” e distinto/autónomo do aplicável no restante território nacional?

A Constituição da República estabelece que “as regiões autónomas têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:

Adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República; e

Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas.”

Neste contexto, a criação de um sistema fiscal regional/próprio, assente em impostos/códigos exclusivamente regionais – e cuja exequibilidade seria extremamente difícil de assegurar –, dependeria da prévia alteração da Constituição. Acresce que, tal solução pressupõe, entre outros requisitos, a autonomia financeira plena da RAM, ou seja, o fim das transferências por parte do Estado.

No entanto, a Constituição – tal como o Tratado da União Europeia – admite a possibilidade de existência de um sistema fiscal “adaptado”, ou seja, de um sistema fiscal específico/especial, assente no sistema fiscal nacional, mas diferenciado deste.

E as bases de tal sistema fiscal específico devem constar (e, em parte, já constam) “apenas” do Estatuto Político-Administrativo da Madeira e de (inexistente) Lei Quadro, podendo ser, posteriormente, desenvolvidas pela Assembleia Legislativa Regional, mediante os competentes Decretos Legislativos Regionais. Neste particular, a inclusão desta matéria na Lei das Finanças Regionais – que não pode contrariar o Estatuto da RAM – não parece ser conforme com a Constituição.

E em que pode/deve consistir esse sistema fiscal específico/adaptado e aplicável a todos os contribuintes da RAM?

1. Taxas reduzidas de imposto – sendo certo que o diferencial já existente (30%), e ainda não esgotado em sede de IRS e IVA, pode/deve ser aumentado –, conjugadas com mecanismos que permitam reduzir a taxa efectiva de IRC, que deverá ficar situada entre os 5% e os 10%.

2. Aplicação do diferencial fiscal a todas as taxas especiais (por exemplo, as do Regime do Residente Não Habitual) e/ou liberatórias (por exemplo, as da tributação das mais-valias).

3. Regras específicas em matéria de custos dedutíveis e/ou de deduções à colecta, destinadas a compensar os sobrecustos da insularidade e a premiar os investimentos produtivos. A título de exemplo, os custos com transportes e energia, transição digital, economia verde, formação profissional, entre outros, serem majorados em 150%, ou mais, em sede de IRC.

4. Regime do Residente Não Habitual na RAM, prevendo a sua aplicação à generalidade dos emigrantes e dos trabalhadores/empresários que pretendam estabelecer-se na RAM.

5. Regime específico de crédito/devolução de imposto a favor de não residentes que efectuem investimentos relevantes na RAM, análogo, por exemplo, ao actual regime do CINM em matéria de distribuição de dividendos; e,

6. Revisão do Código Fiscal do Investimento na RAM, em especial, no que diz respeito aos benefícios fiscais de base contratual, no sentido de o tornar eficaz, inovador e operacional.

Estas medidas, entre outras, são constitucionalmente admissíveis, mas implicam a alteração do Estatuto Político-Administrativo (e, eventualmente, da Lei das Finanças Regionais) e muito trabalho (político e técnico), o que equivale a dizer que a respectiva concretização depende, exclusivamente, da vontade, capacidade e coerência dos 2 maiores partidos políticos.