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A Educação (não) dá votos?

No trajeto da sua milenar história, a Filosofia teve períodos de ascensão e queda

1. Se, como bem referiu o poeta latino Publius Ovidius Naso, “amanhã não seremos o que fomos, nem o que somos”; se tudo é mudança, pois “tudo cede o seu lugar e desaparece” (Eurípedes); se a mudança – ou o novo – em todas as coisas é desejável (e inevitável) e, portanto, também o é na área da Educação; se não somos prisioneiros do passado e em quase tudo temos oportunidade(s) para experimentar a variação; se as ideias velhas não resolvem os novos problemas ou desafios; se mudamos e “evoluímos, logo somos” (Henri Bergson); então começo este pequeno artigo de opinião por advertir que sobre o seu delicado tema – a Educação –, de modo algum tenho um pensamento e discurso definitivos (acabado) ou, como se diz agora no moderno léxico político, irrevogável.

2. Após o termo de mais uma aula de 90 minutos, na última semana, um pequeno grupo de alunos dirigiu-se-me e um deles colocou a seguinte questão: qual o motivo explicativo do fraco (ou nenhum) investimento no sector da Educação, quer na Região Autónoma da Madeira quer em território continental? Por que não se investe mais naquele que é o grande motor do desenvolvimento pessoal, social, económico e cultural de um país, isto é, na ferramenta mais poderosa que temos para delinear, transformar (e melhorar) tudo o que está à nossa volta? Qual a razão da Educação continuar a padecer dos problemas de sempre e, por esta via, estarmos a condenar as gerações atuais e vindouras a um futuro comprometido e com relevante insignificância? Em suma, porque é que a Educação não é absolutamente essencial e uma prioridade “central” nas políticas públicas de sucessivos governos, e não se tem apostado, efetivamente, nesta área ao longo dos últimos anos?

Por razões de tempo – melhor, escasso tempo, pois tinha outra aula para lecionar –, a minha resposta foi simples e direta: a causa é clara e acessível a quem a quiser ver e apontar: a educação não dá votos, e por isso os nossos governantes pouco ou nada investem neste influente sector, aquele que vos (nos) prepara para a vida, mas que é incompreendido e está distante dos afazeres e preocupações de muitos cidadãos que ainda exercem o direito (e dever) de votar.

3. Depois desta breve elucidação aos alunos, no final do dia e já chegado a casa, procurei encontrar as premissas que justificassem a minha rápida conclusão e, tentarei, nas linhas que se seguem, exibir algumas delas, tais como por exemplo:

a) há alguns anos, António Guterres, atual Secretário-Geral das Nações Unidas (mas primeiro-Ministro de Portugal entre 1995 e 2002) utilizou o slogan “Paixão pela Educação” e, como humanista convicto, acreditou que um país mais formado/educado seria um país melhor. O princípio está correto, mas não vingou, assim como continua a não vingar um volumoso e incessante investimento na escola pública. No seu segundo mandato, que ficou a meio – na sequência de uma derrota eleitoral autárquica do PS, em 2001, e procurando, nas suas palavras, evitar um “pântano político” –, teve três ministros (Guilherme d’Oliveira Martins, Augusto Santos Silva e Júlio Pedrosa) que poucas e boas memórias deixaram. Nas eleições legislativas de 2002, o eleitorado não (lhe) perdoou e foi sucedido por José Manuel Durão Barroso no cargo de primeiro-ministro, mas também abriu as portas à famosa “Coligação Democrática” e deu ao CDS um protagonismo que este decerto não esperava.

b) os estudos de opinião – e uma atenta observação empírica – indicam que os eleitores portugueses pouco (e mal) conhecem as propostas para a área da Educação dos diferentes partidos que concorrem à Assembleia da República. Assim, na hora de escolher os representantes do povo e, por inerência, o partido que irá governar, o valor da Educação para o futuro das gerações vindouras (e do próprio país), não pesa no sentido a dar ao voto. Há outras prioridades, como a saúde, a construção de grandes obras públicas (autoestradas, túneis, novos aeroportos…), o resgate de instituições financeiras ou de empresas de capital público, o emprego, segurança, mas agora também a defesa nacional… não esquecendo a precedência de medidas que conduzam à redução do déficit e das “contas certas”, elemento que, para o atual ministro das Finanças, Fernando Medina, “é central na proteção dos rendimentos das famílias e da capacidade de investimento das empresas”. Sempre a tradicional retórica política!

c) “mito urbano” ou não, certo é que desde 2011 – e após declarações polémicas de um primeiro-ministro – milhares de portugueses emigraram. Só em 2014, contabilizam-se mais de 85 mil emigrantes temporários (Fonte: Pordata). A maioria eram jovens. Todos foram procurar emprego e melhores condições de vida no estrangeiro, mas não esquecemos também o conselho dado aos professores de “procurarem outros destinos”. Por outras palavras, durante anos, a célebre “geração mais preparada de sempre”, aquela que se formou no país e que poderia ajudar a transformá-lo e a renová-lo, que podia votar (e também desse modo contribuir para a alternância democrática), viu-se impedida de viver e realizar os seus projetos profissionais no país onde nasceu e teve de sair para mais tarde “regressar com outra experiência, com outra visão”. Os jovens, muitos com o 12º ano e outros tantos recém-licenciados ou mestrados, aqueles que o sistema educativo ajudou a formar durante décadas, também não “concederam” folgados votos aos políticos do regime, os quais continuam a ser eleitos maioritariamente por cidadãos que estão desinteressados ou alienados dos assuntos/problemas da Educação.

d) construir creches públicas, escolas do 1.º, 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário, mas também universidades ou politécnicos, dá votos. Já ser o “compositor” da fórmula, conduzir, executar e avaliar a política nacional relativa ao sistema educativo (e reformá-lo, isto é, cortar nos custos [lembro que o OE 2023 tem um decréscimo de 7,6% – menos 569,1 milhões de euros – na Educação, face à execução estimada até final de 2022]), assim como articulá-lo, no âmbito das políticas nacionais de promoção da qualificação da população, de educação e com a política nacional de formação profissional, isto seguramente já não dá votos! Aliás, quantos portugueses conhecem o nome do atual ministro da Educação e até mesmo da ministra da Ciência, Tecnologia e ensino Superior? E qual o peso político destes dois ministros no XXIIIº governo constitucional, liderado por António Costa?

e) porque a (minha) memória ainda conserva algumas ideias e factos políticos do passado, recordo aqui, em particular, dois que muito demonstram o desapego pela Educação e o entendimento de que esta área não dá votos: 1.º- o dia 2 de julho de 2018, quando António Costa afirmou que, para serem feitas as obras do IP3, não podia ser recuperado o tempo de serviço dos professores. Quatro anos passados, nem o IP3 tem executadas todas as obras prometidas, nem a recuperação do tempo de serviço foi justamente consignada a estes profissionais da Educação; 2.º em maio de 2019, António Costa garantiu que o seu Governo se demitia caso a votação global, no Parlamento, fosse favorável à proposta apresentada pelo PSD, CDS, Bloco e PCP, que previa a recuperação integral do tempo de serviço dos professores que esteve congelado (9 anos, 4 meses e 2 dias). Ora, depois de toda uma longa e intensa crispação com a classe docente, que em 2021 empregava mais de 150 mil cidadãos (entre o ensino pré-escolar, básico ou secundário), no último domingo de janeiro de 2022, António Costa ganha novamente as eleições legislativas, agora com uma maioria absoluta, que nas suas palavras é “uma maioria de diálogo” e “não poder absoluto”. Costa sabia de antemão que não precisava dos votos dos professores (ou que não os teria) para fazer história e dar a segunda maioria absoluta ao (seu) Partido Socialista.

4. No dia 17 de novembro de 2022 celebra-se o Dia Mundial da Filosofia, umas das mais ‘belas-artes’ criadas pelo ser humano, um elemento perturbador e causador da agitação intelectual (reflexão, pensamento crítico, criativo e independente…) num tempo e mundo pejado de apatia geral ou pacífica indiferença. Ela é, conjuntamente com a Paideia (παιδεία) grega, um dos dois pilares da civilização ocidental. Depois de ler e ficar a conhecer, quem pode esquecer Platão e Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel, Nietzsche ou Wittgenstein?

Sim, no trajeto da sua milenar história, a Filosofia teve períodos de ascensão e queda. Alguns vaticinaram a sua morte, mas hoje assistimos a uma “ressurreição” nalgumas universidades portuguesas e está agora a ser ensinada a alguns trabalhadores portadores de outras formações base como forma de estimular o pensamento crítico enquanto fator de competitividade. Parabéns a quem é lúcido e inovador e sabe que esta forma de conhecimento não é só abstrata, como à primeira vista até pode parecer!