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Secretário-geral do PCP compara Rússia a um "cão atiçado"

Foto ANDRÉ KOSTERS/LUSA
Foto ANDRÉ KOSTERS/LUSA

O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, comparou a Rússia a um "cão atiçado" pelos Estados Unidos, NATO e União Europeia, e sublinhou que o partido nada tem a ver com as "opções do Governo russo".

Em entrevista à Lusa, Paulo Raimundo considerou que a posição do PCP em relação ao conflito na Ucrânia é "simples e simultaneamente complexa".

"Não há dúvida de que há uma intervenção militar russa na Ucrânia" que o PCP "não relativiza", sustentou o novo secretário-geral do PCP, que recorreu a uma história de infância para ilustrar que o Kremlin foi instigado.

"Tenho um amigo de infância e a determinada altura -- miúdos de seis, sete anos -- ele tinha um cachorrinho. Então a brincadeira que se montou -- que era uma coisa completamente absurda -- era três crianças que à vez atiçavam o cão. Atiçavam o cão, quando o cão vinha para morder gritavam e o cão, coitado, baixava... A brincadeira era assim. Esse meu amigo, que era o dono do cão, quando foi a vez dele de fazer esse movimento de atiçar o cão, o cão deu-lhe 20 e tal dentadas. Ao dono! E a pergunta é: a culpa é do cão? O cão é culpado desse ato?", elaborou Paulo Raimundo.

O dirigente do partido reconheceu que "esta história pode parecer um bocadinho absurda", mas tem como finalidade "contextualizar" que os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia "parecem os três meninos a atiçar o cão".

"É que não começou o problema em 24 de fevereiro [data da invasão da Ucrânia pela Rússia]. Ele teve um escalar condenável nesse dia mas não começou aí", disse, afirmando que o PCP condenou "desde o princípio a intervenção militar russa, até por questões do direito internacional".

"Aquela ação militar é condenável, desde logo à luz do direito internacional", reforçou.

"Nós não menosprezamos, nem relativizamos, a intervenção militar russa", completou o secretário-geral comunista, que entrou em funções há três dias.

Paulo Raimundo, que ao longo da entrevista evitou sempre utilizar a palavra "invasão", acabou por fazer equivaler as expressões "intervenção militar", "ação militar" e "invasão militar", recusando que a posição do PCP legitime o conflito que começou a 24 de fevereiro em território ucraniano.

O secretário-geral do PCP lamentou que se tenha chegado ao ponto de ser necessário clarificar que o PCP "não tem nada a ver com o governo russo": Não há nada que nos relacione com o Governo russo, nem de longe, nem de perto. Não temos nada a ver com as opções de classe do Governo russo. Estamos no dia-a-dia ao combate com essas opções", advogou.

A "ação militar é condenável", mas "isto não começou agora, não há aqui uns muito bons e uns muito maus, há responsabilidades partilhadas", insistiu.

Paulo Raimundo considerou que a população ucraniana é a verdadeira vítima do conflito, uma vez que o número de refugiados "caminha para quase metade da população" -- mais de 13 milhões desde o início da guerra - e é desconhecido o número total de vítimas mortais, e disse esperar que não haja "mais momentos de escalada".

"Só que o problema no território ucraniano não começou em 24 de fevereiro. A dimensão do problema, também militar, não começou em 24 de fevereiro [...]. Qual é o objetivo da próxima jornada económica, mas também militar [dos Estados Unidos]?", questionou, recordando que o partido teve a "oportunidade de condenar no memento" em que a guerra eclodiu e fê-lo.

O dirigente do PCP voltou a apontar o dedo a Washington, desta vez por causa de "toda a tensão que se tem vindo a intensificar no relacionamento dos Estados Unidos Com a China" e que não deixa os comunistas "descansados".

Parte dos que saíram na crise de 2000 "faz muita falta"

Paulo Raimundo, defendeu que faz "muita falta" parte dos comunistas que se afastaram na sequência da crise interna que opôs, há vinte anos, os chamados ortodoxos e renovadores.

"Penso que uma parte das pessoas que foram arrastadas nessa dinâmica nos anos 2000, uma parte das pessoas que foram arrastadas e até acabaram por sair, ...uma parte delas faz cá muita falta porque as suas opiniões são válidas para construir um partido que nós queremos mais forte", declarou.

O novo secretário-geral comunista concedeu que, na altura dessas discussões, nas vésperas do Congresso de 2000, [ano em que subiu à Comissão Política do PCP] sobre qual deveria ser o rumo do partido, se posicionou "do lado dos ortodoxos", ressalvando que considera a designação "simplista" e sem "correspondência com o conteúdo desse debate".

"Posicionei-me naquilo que eram as posições do partido e da JCP, que coincidiam com as minhas. Foi um posicionamento fácil num debate exigente e muito difícil", disse.

O dirigente afirmou que, na altura, "havia quem achasse que o partido devia ser outra coisa diferente do que é, e a maioria do partido entendeu que o partido devia continuar com as suas características, natureza e identidade".

Sobre se essa discussão está ultrapassada, Paulo Raimundo afirmou que o PCP é um "partido que afirma a sua identidade e natureza" -- marxista-leninista -- "mas não trava, pelo contrário, fomenta e discussão e o debate interno".

"Com a consciência de que, e bem, nem todos temos as mesmas opiniões sobre os assuntos todos. Damos a opinião e a opinião que apuramos coletivamente é aquela que vale", acentuou.

Para Raimundo, a Conferência Nacional do passado fim de semana "acaba por animar" e dar "alguma força" que ajuda a que "alguns se aproximem e a que outros se reaproximem".

O líder do PCP disse, no seu discurso na Conferência Nacional, que conta "com os que se aproximam e com os que se reaproximam" do partido.

Instado a clarificar essa afirmação, Paulo Raimundo respondeu, na entrevista à Lusa, que verifica hoje um "movimento de gente" que se afastou por várias razões, "por oposição a esta ou aquela posição do PCP" e que "passado este tempo todo" concluem que "este é o partido que apoiam".

"E uns apoiam voltando, outros apoiam ajudando" e outros até apoiam discretamente, "pela calada", disse, referindo ainda os que "não querem ingressar mas que, em determinadas batalhas", estarão com o PCP.

A crise interna que se acentuou nas vésperas do Congresso de 2000 opôs os que defendiam a abertura do partido e novos métodos de funcionamento e aqueles, que ficaram conhecidos como ortodoxos, que defendiam a manutenção do centralismo democrático e da matriz marxista-leninista. Nesse debate interno, com momentos dramáticos, foram instaurados processos disciplinares a alguns dos rostos mais conhecidos do movimento pela renovação do PCP, como Edgar Correia e João Amaral, já falecidos.