Só lá vai assim!
O amor só cresce num ambiente onde as diferenças são aceites, as falhas acolhidas, a comunicação é aberta e as normas são flexíveis! A atmosfera que se encontra numa família que se nutre mutuamente. É possível! Principalmente se formos muitos com a mesma intenção.
Há dias li - “não é o conhecimento que faz crescer o cérebro, é mesmo o amor e esta será, provavelmente, a descoberta mais importante das neurociências – ressoou. Continuo a ver o amor a ser utilizado como moeda de troca. E preocupa-me, sobretudo na parentalidade. Se a criança se “porta bem” recebe amor, se se “porta mal” é-lhe retirado amor. Por ex.: “Estás a portar-te mal, já não gosto de ti!”. “Muito bem, linda menina, assim gosto de ti!”
Acontece em famílias, escolas e ainda vejo profissionais a aconselhar: “Quando a criança se portar mal, retire-lhe algo que ela gosta e ignore-a”, “quando se portar bem, dê-lhe atenção, elogie-a, ofereça-lhe uma recompensa”. Este é um jogo perigoso, com consequências graves na saúde mental da criança e dos que a rodeiam. Está mais do que na hora de questionar as velhas narrativas da parentalidade e educação. Estas estratégias criam desconexão, não criam relações saudáveis. A intenção positiva de um elogio ou recompensa pode ser querer incentivar a criança a fazer aquilo que o adulto considera ser um “bom comportamento” ou querer demonstrar gratidão, satisfação e, provavelmente, reconhecer o esforço da criança. Qual é o problema destas afirmações disfarçadas de positivas? Olhando novamente para a frase: “Muito bem, linda menina, assim gosto de ti!” – podemos refletir porque é que queremos que a criança obedeça? Para se “portar bem”, porque tem medo de ser excluída, de sentir vergonha ou culpa, ou porque quer contribuir para o bem estar geral do sistema onde está incluída?
“Assim gosto de ti!” – será que queremos mesmo passar a mensagem que a criança só tem valor e é merecedora de amor e pertença se obedecer, se se “portar bem”? As crianças não sentem as nossas intenções. Elas sentem o que manifestamos através do nosso comportamento. “Eu amo-te e é por isso que te castigo”, envia uma mensagem de amor distorcido e escancara as portas da violência doméstica, bullying...
Como diz o meu professor, Dr. Gabor Maté, nascemos com duas necessidades essenciais: vínculo e autenticidade. Nesta equação a segunda tende a perder. A ciência já demonstrou que sem vínculo morremos ou desenvolvemos doença mental. Portanto, para sermos amados pelos nossos pais, deixamos de ser autênticos. Ou seja, entramos numa caixa, apertada e desconfortável para passarmos a ser quem esperam de nós.
E como diz Russell Barkley, “as crianças que mais precisam de amor vão mostrá-lo da forma menos amorosa”. Muitos dos problemas comportamentais têm na sua origem vínculos frágeis. Quando todos nos responsabilizarmos pela criação de vínculos seguros permitiremos a existência de vidas seguras, resilientes, autênticas e autónomas. E acredito que assim, deixarei de receber tantos pedidos desesperados de reportagem, por parte de famílias e profissionais de saúde mental, sobre o número crescente de violência, adições e bullying.
O amor, numa relação saudável, nunca pode surgir com moeda de troca para conseguirmos o que queremos. Ora, quem pratica parentalidade generativa, conhece bem o legado de Virgínia Satir, sabe que “sempre que alguém liberta os seus medos, desperta a sua própria coragem, a capacidade de viver no presente e permitir que a transformação aconteça. É assim que se torna totalmente humano”. E esta é a principal intenção da parentalidade generativa: criar um ambiente de segurança tal, que todos vivam presentes, humanos, manifestando quem são, em autenticidade, com coragem, paixão, curiosidade e criatividade. A família é o microcosmo do mundo.