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O combate às fake news nas eleições do Brasil

A partilha de informação errada ou não verificada com o intuito de enganar existe desde sempre. A Ilíada, uma das grandes epopeias atribuídas ao grande poeta grego Homero, narra como, na antiguidade clássica, os gregos venceram os troianos graças a uma eficaz estratégia de desinformação que teve por base um engano, com recurso ao Cavalo de Troia.

Ao longo dos anos, muitas vezes se tem recorrido à desinformação e às fake new para convencer audiências. No passado, notícias sobre a suposta descoberta de vida na Lua e Operação Bodyguard são alguns exemplos. Mais recentemente, as campanhas para as eleições presidenciais nos Estados Unidos e no Brasil, assim como o referendo do Brexit, marcaram uma nova era na desinformação, com a Internet e mais especificamente as redes sociais a alavancar a propagação de fake news.

O Brasil acaba de eleger Lula da Silva, que regressa à Presidência após umas eleições marcadas, mais uma vez, por campanhas eleitorais muito intensas, onde predominou o recurso a narrativas desinformativas, com fake news a serem constantemente difundidas com o intuito de moldar o sentido de voto.

Comparativamente às eleições de 2018, que deram a vitória a Jair Bolsonaro, houve um esforço maior por parte das entidades responsáveis pelo processo eleitoral, nomeadamente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que criou um Sistema de Alerta para o envio de denúncias sobre desinformação sobre candidatos ou partidos; desinformação sobre a Justiça Eleitoral, urnas eletrónicas ou contagem de votos; discurso de ódio, violência política e grave perturbação ao ambiente democrático; e disseminação de mensagens não solicitadas com conteúdo eleitoral no WhatsApp.

No entanto, as intervenções do TSE não foram suficientes para travar a difusão de fake news. A situação ficou de tal forma descontrolada que, a menos de uma semana do segundo momento eleitoral, o TSE viu-se mesmo obrigado a intervir mediante a publicação de uma resolução específica para combater a desinformação.

A norma determinava que a divulgação ou partilha de factos comprovadamente falsos ou gravemente descontextualizados que atingissem a integridade do processo eleitoral, nomeadamente processos de votação, apuração e totalização de votos, determinaria às plataformas a remoção imediata do conteúdo publicado (URL, URI ou URN), sob pena de lhes serem aplicadas coimas no montante de 100 e 150 mil reais por cada hora de incumprimento, a contar do término da segunda hora após a notificação ter sido recebida.

Sob a égide da mesma resolução, estavam as plataformas autorizadas a suspender temporariamente perfis, contas ou canais mantidos em redes sociais que produzissem sistematicamente desinformação sobre o processo eleitoral, mediante a publicação persistente de informações falsas ou descontextualizadas.

Desta forma, não podiam permanecer online conteúdos relacionados com o ato eleitoral ou com os candidatos, desde que estes fossem difamatórios, injuriosos, discursos de ódio ou notícias fraudulentas.

A ousadia do Presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, que avançou com esta medida inédita ao nível internacional, foi aplaudida, mas também vista como um ato de censura. Pessoalmente, parece-me uma boa prática, um exemplo a seguir. Um avanço no combate à desinformação, na medida em que permitiria limitar a disseminação de conteúdos desinformativos não só nas plataformas brasileiras, mas mundiais. Já agora, que vigorasse não apenas em época de campanhas eleitorais, mas todo o ano, para evitar que as fake news circulem descontroladamente, perturbando o nosso dia a dia. Não seria fácil implementar uma medida tão drástica, mas já se sabe que ‘não se pode agradar a gregos e a troianos’, com ou sem Cavalo de Troia.