Crónicas

Que descanse em paz

Para a grande maioria de nós, adultos, ocidentais, ainda é um desafio falar da morte e fazer um luto. Este acontece quando perdemos um ente querido ou algo significativo. Só que vivenciamos diferentes perdas diárias, embora, algumas sejam subtis. O luto tende a ser aterrorizador porque pressupõe uma morte. E às vezes, é a nossa imagem, é a morte da imagem de quem nos fizeram crer sermos. Agora, sempre que fugimos ao luto entramos em confronto. E é inglório. Quanto maior a resistência, maior a intensidade da dor. O luto, por norma, é trabalhoso, confuso, doloroso e cansativo. Física e emocionalmente. Para a psiquiatra, Elisabeth Kübler-Ross, atravessa, ele próprio, cinco fases: negação, raiva, negociação, depressão e finalmente, a aceitação da nova realidade. É importante vivenciar todas as etapas, não necessariamente por esta ordem. A escolha é entre tornarmo-nos eternos fugitivos ou, então, pessoas livres e conectadas com a vida. Um luto bem feito não é um luto sem dor. A dor faz parte, é necessária nesse momento e podemos precisar de cuidados especiais. É verdade que nenhum de nós quer sentir a dor da perda durante muito tempo. Por isso, acontece muitas vezes, arranjarmos distrações, para nos livrarmos dela. Pode até funcionar durante um tempo mas, o peso, a tensão, a pressão, vai aumentando. Portanto, se queremos deixar a doença longe da porta e ganharmos serenidade havemos de reconhecer, honestamente, a vulnerabilidade da própria dor. Pode ser necessário ter ainda de fazer o luto da crença de que “quem procura um psicólogo ou psicoterapeuta é maluquinho”. Só que não. É sim, um ser humano consciente e corajoso!

Saibamos, pois, reconhecer, com coragem e humildade, presentes em quem somos, quais os lutos que a nossa vida pede a cada etapa, isso, e o exato momento em que precisamos de um colo e de um abraço. Nós e os nossos. Amor gera amor. E o luto tem a virtude inigualável que é ajudar-nos a deixar partir o que já não serve criando espaço para o espanto, para que o novo e essencial se manifeste, resgatando assim, o valor e significado da nossa própria existência. Quando fico aflita com os meus lutos, lembro-me do sábio Viktor Frankl – Entre o estímulo e a resposta existe um espaço. Nesse espaço está o nosso poder de escolher a resposta. Na nossa resposta está o nosso crescimento e a nossa liberdade.

A neurolinguística do luto

O nosso cérebro não gosta de mudanças. A resistência é por isso natural e acontece para nos proteger. Até porque, o cérebro está programado para conservar energia. Ora, para processar novas informações e realidades tem de recrutar mais redes neuronais, o que faz disparar o consumo de energia. Graças ao Professor da Universidade da Califórnia SF e neurocientista Michael Merzenich, já sabemos que a neuroplasticidade joga a nosso favor. Ou seja, que o cérebro está desenhado para mudar de acordo com as experiências vividas e a forma como é usado. Assim, quando treinamos uma competência, como por exemplo, a respiração consciente, quando colocamos a atenção nos pensamentos que geram bem-estar, ocorre uma mudança na ‘fiação cerebral’ - nas sinapses ou conexões neuronais - e são selecionadas as conexões que dão suporte à competência que estamos a desenvolver. E é assim que alteramos uma série de processos bioquímicos, com impacto no nosso bem-estar: físico, emocional, energético. Onde colocamos o nosso foco, colocamos a nossa energia. E o que somos nós, se não energia?! Para mim, é francamente reconfortante experimentar o que a ciência da neurolinguística tão bem demonstra: podemos atravessar o luto, sem nos tornarmos o próprio luto. Como prova Merzenich, escolhemos, de facto, quem seremos no próximo momento. É da nossa responsabilidade: pessoal e social.