Madeira

Funchal "não é Kiev" para ter militares nas ruas

Clima de insegurança que se vive na capital madeirense voltou a ser tema de conversa entre Pedro Coelho e Miguel Silva Gouveia no programa moderado por Leonel de Freitas

O tema que marcou o Debate da Semana da TSF não é propriamente uma novidade, mas voltou a dar que falar depois de Pedro Calado ter voltado a sugerir que o Exército patrulhasse as ruas do Funchal. A ideia do autarca seria potenciar um efeito dissuasor com a presença dos militares no terreno, mas a sugestão não agradou Miguel Silva Gouveia, nem Pedro Coelho.

Recuando um pouco, mais especificamente até ao último dia 20 de Agosto, Pedro Calado já havia confidenciado ao DIÁRIO que tinha abordado "algumas autoridades militares" para que o Exército viesse para a rua patrulhar a cidade do Funchal. O presidente da autarquia funchalense disse-o após concluir a regata de canoas, na Zona Velha, e na ressaca de uma madrugada repleta de ocorrências: assaltos, agressões com recurso a arma branca e uma alegada violação.

Falando com algumas autoridades militares pedia o auxílio para também ajudarem e a própria legislação impede que isso aconteça. Por isso, só a Polícia de Segurança Pública (PSP), quando muito em parceria com a Guarda Nacional Repúblicana (GNR) é que podiam fazer algum patrulhamento. Pedro Calado, 20 de Agosto de 2022

Ora, visivelmente incomodado com as recentes palavras de Pedro Calado - que voltou a pegar no assunto - o principal rosto da oposição na cidade do Funchal, Miguel Silva Gouveia, começou por lembrar que a Madeira está, em termos de número de efectivos por pessoa, com um “rácio melhor do que o resto do país e do que as grandes cidades, como Lisboa ou Porto”, isto para desmistificar a tese insistentemente defendida de que não há agentes suficientes da PSP na Região.

"Qualquer pessoa no seu perfeito juízo demarca-se de afirmações de qualquer titular de cargos públicos, particularmente de um governante, que vem a público pedir militares a patrulhar as ruas. Isto não é Beirute. Isto não é Kiev. Kiev que está em guerra não tem militares nas ruas. Não se admite que uma pessoa com a responsabilidade de presidir à maior Câmara da Região venha a público pedir algo que é inconstitucional. Só quem pode mobilizar os militares é o Presidente da República e apenas em casos muitos excepcionais", visou Miguel Silva Gouveia.

Isto chega a esta situação porque o presidente da Câmara do Funchal chegou a estado tal que capitulou publicamente. Mostrou que não tem soluções. Foi o mesmo presidente que há um ano disse numa entrevista a um jornal nacional que a cidade estava parada, nunca esteve tão suja, tão abandonada, tão cheia de delinquentes, de drogados, o Funchal estava uma cidade que nunca foi. E disse mais: prometeu que ele e a equipa dele tinham todas as condições para mostrar à população que iria pôr a cidade do Funchal como era antes de 2013. Miguel Silva Gouveia

As declarações do autarca são interpretadas de duas maneiras pelo homem da ‘Coligação Confiança’. Ou Pedro Calado “sabe que aquilo que está a pedir é inconstitucional e está mais uma vez a se aproveitar da pouca informação dos funchalenses sobre a legalidade daquilo que está a propor, só para fazer agitar as águas e descartar responsabilidades de cima de si, ou pior, é impreparado, não conhece a legislação, e julga que por ser presidente da Câmara pode mobilizar os meios que quiser”.

À semelhança do que defendeu Pedro Coelho, o ex-presidente da Câmara Municipal do Funchal aponta o dedo "a algumas secretarias" que distribuem "apoios à terceira idade e a pessoas que tenham algum tipo de necessidades especiais", mas a "parte mais complicada parece que ninguém quer tocar".

"É fácil fazer caridade, é fácil distribuir dinheiro pelas casas do povo para dar cabazes, é fácil fazer este tipo de mercearia da caridade com os dinheiros da segurança social, mas atalhar os problemas, procurar resolver os problemas das pessoas que estão em situação de sem-abrigo, toxicodependência, alcoolismo ou perturbações de saúde mental gravíssimas (...) não podem ficar só na parte que fica bonito na fotografia de entregar o cabaz ou fazer um passeio ao Porto Santo com essas pessoas e com as outras, que estão na rua, que têm verdadeiramente necessidades ninguém se lhes chega, ninguém lhes toca", visou.

A solução parece assim evidente para Miguel Silva Gouveia. "A nossa proposta seria a criação de uma polícia municipal que foi chumbada por três ocasiões em Assembleia Municipal", defendeu. A aprovação permitiria disciplinar o trânsito, multar, fiscalizar esplanadas ou ruído, acompanhar eventos e ainda realizar o tal policiamento de proximidade com efeito dissuasor. "Funcionou no Bairro Alto", alertou o socialista.

Pedro Coelho não queria militares nas ruas de Câmara de Lobos

O presidente da Câmara Municipal de Câmara de Lobos saiu em defesa do seu colega de partido e acredita que todos nós “temos a consciência que o número de efectivos da PSP é insuficiente”, que “mais de 20% dos polícias prestam apenas serviços administrativos”, que já em 2015 “mais de 10% dos nossos polícias tinham mais de 55 anos” e também “que a violência nas ruas do Funchal com assaltos e agressões tem vindo a aumentar”, incremento que se faz acompanhar lado a lado com o “consumo de estupefacientes e de álcool” sobretudo nos jovens.

Há muitos militares que poderiam durante o dia auxiliar na via pública a manutenção da ordem. Se me perguntar se eu gostava de ver essa situação em Câmara de Lobos não. Não gostava. Eu percebo a preocupação do presidente da Câmara do Funchal. Quanto à forma concordo que algo tem de ser feito, concordo com ele quando diz que devíamos ter mais PSP, acho que a GNR podia colaborar mais com a PSP e a PSP com a GNR em vez de estarem ali numa guerra de competências, mas em relação aos militares não aplaudo. Pedro Coelho

De acordo com o edil câmara-lobense tudo não passa de “uma questão social”, ou seja, “as pessoas têm de ser ajudadas, porque há um problema a montante que tem de ser resolvido”. Pedro Coelho admite que os sem-abrigo “causam algum desconforto perante os residentes ou turistas, mas pedir dinheiro não é crime”.

"São grupos frágeis da sociedade em que, felizmente, há associações que se preocupam com essas pessoas e nós em Câmara de Lobos estamos a criar um centro de apoio a pessoas em situação de sem-abrigo. Temos 17 pessoas em situação de sem-abrigo e estamos, em parceria com o Centro Social e Paroquial do Carmo, a preparar duas candidaturas no âmbito do PRR. É um trabalho estruturado. Não vamos isolar estas pessoas, colocando-as longe da cidade. Tem de haver um trabalho social e um apoio ao indivíduo e à família. Se em 10 conseguirmos recuperar 4 ou 5 já será muito bom", defendeu.

Todos nós temos a consciência que o Estado é incapaz e que os recursos em termos de segurança que oferece aos cidadãos são escassos. Os meios policiais são reduzidos para a dimensão e número de ocorrências que nós temos. Não sei se a polícia municipal iria resolver, acho que temos de continuar com este trabalho de pressão. Recordo que há dois anos o responsável da PSP dizia que tinha meios suficientes para a taxa de criminalidade que a Região apresentava e hoje já tem um discurso diferente, em que reconhece que o quadro de efectivos é insuficiente. Pedro Coelho