Análise

O que fazer uns pelos outros?

Aprendemos mais do que julgávamos ao pedir ajuda para a liga contra o cancro

Os compromissos sustentáveis merecem o nosso apreço, tanto mais que ocorrem num contexto hostil, feito de várias distracções e crueldades, em que a nova crise financeira se cruza com as vertiginosas alterações climáticas e com a feroz indústria da guerra.

Urge por isso valorizar o que fazemos deliberadamente uns pelos outros, desde o ‘carpooling’ ao combate ao desperdício alimentar, do voluntariado generoso aos actos de redução do consumo energético, da governação criteriosa ao cumprimento escrupuloso de direitos e deveres, da solidariedade descomplexada ao escrutínio dos comportamentos desviantes dos decisores.

Em termos ambientais, importa destacar os que desligam a iluminação comercial exterior das suas lojas, depois de fecharem portas, os que desactivam os sistemas automáticos de rega de jardins quando chove, os que se habituaram a fazer a separação selectiva dos resíduos e para os que lideram pelo exemplo. Neste capítulo, louva-se a decisão do grupo madeirense PortoBay Hotels & Resorts que a partir do próximo mês, assume a despesa mensal de transporte público de todos os seus colaboradores distribuídos pelos 12 hotéis no País, nomeadamente do Porto, de Lisboa, do Algarve e da Madeira.

Com esta medida, o grupo hoteleiro pretende eliminar os custos mensais de passe social dos colaboradores que já utilizam os transportes públicos e, também, incentivar a utilização deste tipo de meio de transporte mais sustentável. Na prática, o grupo liderado por António Trindade fez mais pelo incentivo à utilização dos transportes colectivos de passageiros do que a mais recente campanha ‘test drive’ da Horários do Funchal.

Pena é que no mesmo dia em que tamanho gesto foi anunciado, numa cidade que devia zelar pela sustentabilidade e dar o exemplo na mobilidade regrada, os mentores e organizadores do Rally Madeira Legend, com a tolerância de quem gere a vida colectiva no Funchal, tenham tornado a vida dos cidadãos num caos desde bem cedo, ainda por cima, no fecho de mais uma semana de trabalho.

À conta de 80 carros e outros tantos concorrentes que bem podiam exibir-se a seu belo prazer sem causar grandes transtornos apenas durante o fim-de-semana, houve demoras inconcebíveis, nalguns casos atentando contra a dignidade e vida humanas. O tempo gasto entre a Travessa da Malta e Santo António, via Avenida do Mar, em condições normais dava para ir do Funchal ao Porto Moniz nas calmas.

Ora, todos nos lembramos do entusiasmo com que Pedro Calado garantiu, logo no início do seu mandato, que o Funchal não iria mais estar sujeito a bloqueios por causa de eventos desportivos, sobretudo às sextas-feiras. Como a ‘deliberação’ foi feita há um ano, importa recordá-la, também para que o tormento da passada sexta-feira não se repita. É preferível repetir a experiência de, durante duas horas, em plena baixa da cidade, pedir ajuda para a Liga Portuguesas Contra o Cancro.

Reencontrar amigos de infância, detectar a indiferença de alguns esclarecidos e ser surpreendido pelos humildes foi bem mais do que uma lição.