Último debate no Brasil em que ninguém quis perder e cada um falou para os seus
Jair Bolsonaro e Lula da Silva esgrimiram na sexta-feira argumentos e acusações mútuas no último debate antes das eleições presidenciais de domingo em que cada um falou para o seu eleitorado e onde ninguém quis perder.
Em quase duas horas e meia de debate foram vários os temas abordados pelos dois candidatos: economia, covid-19, meio ambiente, saúde, criação de empregos, relações com um ex-deputado que na semana passada disparou sobre polícias, aborto, combate à pobreza, constituição e até viagra.
Mas, quando um candidato questionava o outro raramente obtinha resposta sobre o tema específico. Tanto Lula e Bolsonaro preferiram discursar apenas sobre as suas agendas.
Lula começou por acusar Bolsonaro de não ter aumentado o salário mínimo durante o seu mandato e relembrou as subidas constantes durante o seu Governo (2003-2010). "Esse homem, durante quatro anos, não deu um centavo de aumento do salário mínimo", acusou Lula.
Bolsonaro então fez um anúncio: garantiu para o próximo ano novo salário mínimo de 1.400 reais (265 euros), um aumento de cerca de 35 euros face ao atual.
Depois, cada um acusou o outro de mentiroso: "Não vai responder? Mentiroso", disse Bolsonaro.
"O povo sabe quem é mentiroso e que você prometeu muita coisa e não cumpriu", rebateu Lula.
Chegaram depois as acusações de corrupção com Bolsonaro a chamar Lula de "descondenado" e de "bandido", com Lula, por outro lado, a mencionar alegados casos de corrupção na compra de 51 imóveis com dinheiro vivo por parte da família Bolsonaro.
"Você só está aqui porque tem um amigo no supremo tribunal", disse Bolsonaro acrescentando: "Aqui não tem o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] para te proteger".
"Porque você não completou as obras e levou água para o Nordeste? Levou foi grana para o seu bolso", disse Bolsonaro, num apelo aos votos na região nordeste, um 'bastião' do Partido dos Trabalhadores.
"Fui julgado por um juiz mentiroso, ganhei 26 processos na Justiça Federal, ganhei dois na ONU e ganhei na Suprema Corte. Eu sou um cidadão idóneo. Agora você que tem 35 processos, que um procurador qualquer dia vai procurar e já tem seis criminais. Se prepare. O povo sabe quem é mentiroso, o povo sabe quem é que roubou", respondeu Lula.
O ex-Presidente brasileiro procurou depois ligar o atual Presidente brasileiro ao ex-deputado, apoiante de Bolsonaro, que na semana passada procurou resistir a um mandado de captura emitido pelo STF [Supremo Tribunal Federal] depois de ter publicado uma série de ataques verbais e ameaças contra uma das juízas do Supremo Tribunal.
"Lula, fica aqui rapaz", pediu Bolsonaro com tom jocoso. Lula respondeu: "Não quero ficar perto de você".
Jair Bolsonaro passou depois a criticar o Tribunal Superior Eleitoral, sugerindo que os juízes estariam a beneficiar Lula durante o processo eleitoral.
Bolsonaro e a sua campanha alegam que dezenas de rádios deixaram de transmitir a sua propaganda gratuita, à qual todos os candidatos têm direito, uma conclusão assegurada através da contratação de duas auditorias que investigaram o caso.
"Vive todo santo dia a atacar ministros do Supremo Tribunal Federal, todo dia ofende ministros do STF. De vez em quando, vem algum militar do seu governo dizer para você parar com os ataques", atacou depois Lula.
Bolsonaro voltou depois aos temas conservadores, sobre o aborto drogas e ideologia de género, procurando ligar Lula a esses temas.
"Lula tu és abortista, favorável à liberalização das drogas, ideologia de género", acusou.
Lula depois leu uma frase alegadamente proferida por Bolsonaro no qual falava em pílulas abortivas. Bolsonaro respondeu: "Isso foi há 30 anos (...). Eu posso ter mudado. Mas você disse há alguns dias que é a favor do aborto. Assuma que você é abortista, Lula".
O ex-chefe de Estado brasileiro trouxe para o debate a compra excessiva de viagra por parte do Exército brasileiro. Bolsonaro respondeu que o viagra não era só para disfunção erétil e que era para "tratamento de próstata". De seguida provocou Lula: "Você usa?"
O tema da pandemia também foi utilizado por Lula para atacar Bolsonaro dizendo que um dia teria de pagar pelos milhares de mortes pelas quais foi responsável pela sua política negacionista.
"Muitos perderam a vida por causa do comportamento irresponsável do Presidente da República", disse.
Entre muitos pedidos de resposta quase sempre negados por ambos os candidatos, o mais peculiar foi mesmo um pedido de resposta por parte do mediador.
"Como fui citado também, na dinâmica do primeiro bloco, pelo candidato Bolsonaro, permita-me fazer um esclarecimento muito breve. Eu de facto disse, na entrevista do Jornal Nacional, que o candidato Lula não deve nada à Justiça. Mas, como jornalista, eu não digo coisas da minha cabeça. Eu disse isso baseado em decisões fundamentadas do Supremo Tribunal Federal. Eu queria só fazer esse esclarecimento, lembrando que inclusive algumas dessas decisões são bem recentes", afirmou o jornalista William Bonner.
Luiz Inácio Lula da Silva venceu a primeira volta das eleições com 48,4% dos votos e Jair Bolsonaro, que procura a reeleição, recebeu 43,2%, pelo que os dois candidatos enfrentam-se numa segunda volta marcada para domingo.