As Humanidades para os Oceanos
É hoje essencial reconhecer os fundamentos ecológicos e materiais das culturas e sociedades, as suas fontes energéticas e alimentares, as formas de coexistência biológica, e a interdependência entre a humanidade e o mundo não humano, particularmente no que diz respeito ao estudo dos oceanos na sua dimensão temporal.
Historiadores marítimos, ambientais e da ciência, arqueólogos, geógrafos, ecocríticos, entre outros investigadores dos campos das humanidades (filosofia, antropologia, estudos culturais, estudos étnicos e de género, estudos literários, estudos religiosos) têm abordado as mudanças e desafios sociais e ambientais distantes ou recentes – como sejam, as perceções e representações de populações marinhas; formas convergentes ou divergentes de interação com o oceano; trocas, extrações, comércio e consumo; património, memória, práticas.
A investigação atual no âmbito das chamadas ‘Humanidades Azuis’ está a mostrar como a integração de dados históricos acrescenta informação à nossa visão sobre processos oceânicos e práticas humanas em relação aos mares. As sociedades dependeram historicamente e foram moldadas pelos organismos marinhos e seus ecossistemas, através dos quais foram construídas relações a nível ecológico e cultural ao longo de milénios. Estas interações mútuas asseguraram a subsistência dos seres humanos e a capacidade de resiliência das sociedades baseadas numa utilização sustentável dos oceanos, mas também causaram impactos profundos na composição, estrutura e função dos ecossistemas devido à sobre-exploração, conduzindo igualmente a uma degradação do habitat e extinção de espécies. Os níveis pré-industriais de extrações de recursos vivos marinhos estão a ser revelados em cada vez maior detalhe, e revelam impactos maiores do que os anteriormente antecipados.
É fundamental os seres humanos (dos indivíduos às sociedades) como atores ecológicos e os seres não-humanos como agentes históricos, e promover o desenvolvimento integrado do conhecimento sobre os sistemas oceânicos com base nestas premissas. Os quadros inter e transdisciplinares são essenciais, e os esforços de colaboração entre o meio académico e a sociedade civil, incluindo grupos vulneráveis com conhecimentos ancestrais sobre sistemas oceânicos e costeiros passados, serão decisivos para a nossa compreensão global, inclusiva e equitativa dos sistemas oceânicos integrados de natureza-cultura.
No âmbito de vários projetos e iniciativas globais, nova informação quantitativa apoiada no conhecimento dos fatores ecológicos e culturais e suas consequências, mas também de contextos históricos, será produzida. Esta investigação recorre à análise de fontes históricas escritas, iconográficas e cartográficas para identificação de espécies marinhas e a sua utilização por sociedades humanas. Assim, estes dados globais, em larga escala e de acesso aberto, permitirão ainda a identificação de paradigmas históricos sobre o passado, o estado atual e futuro da saúde e equilíbrio dos oceanos.
A promoção do estudo de sistemas sócio-ecológicos, abordando as dimensões políticas relevantes para uma ciência integrada, trabalhando no sentido de incluir dimensões humanas, transculturais, trans-cronológicas e multidisciplinares, permite o envolvimento com vários intervenientes sociais, nomeadamente no âmbito da Década dos Oceanos. A construção de um mundo mais inclusivo, equitativo, justo e sustentável requer reciprocidade e inclusão entre o meio académico e as diversas comunidades, e entre todas as criaturas que coexistem na biosfera. Assim, dizemos que as humanidades são verdadeiramente relevantes e que é essencial que a investigação deste domínio académico seja reconhecida como tendo um papel central na abordagem à ciência do e para os oceanos, e dos esforços futuros de produção de conhecimento, conservação e literacia para os oceanos.
Cristina Brito