O bom, o mau e o agente de viagens
A TAP que Cafôfo sonhou é a mesma que o Governo quer privatizar até 2023 e que Pedro Nuno Santos garantiu, dias depois, não ter mais aviões para alocar à Venezuela
No universo alternativo onde se exilou o PS Funchal, a coligação Confiança ganhou as eleições autárquicas, os sem-abrigo fazem vida em cacifos e os funchalenses passeiam alegremente numa ciclovia de leite e mel. A elucubração socialista até permite reinventar a história recente da sua governação. Confrontados com a antecipação do aumento salarial dos bombeiros sapadores, anunciado pelo atual executivo, os socialistas cantaram aleluias a si mesmos e chamaram a si o mérito da medida. Esqueceram-se de um pormenor. Com o PS, o aumento aos soldados da paz só chegaria em 2024. Ainda bem que os bombeiros têm boa memória.
O bom: Estratégia Fiscal do Funchal
Entre 1989 e 2014, Portugal foi capaz de produzir um total de 3178 alterações a artigos dos vários códigos fiscais. O número, desacompanhado de contexto, diz-nos pouco sobre o conteúdo do nosso sistema fiscal, mas não deixa qualquer dúvida sobre a sua instabilidade. Ano após ano, os governos aguardam pelo orçamento do Estado para dar asas à sua criatividade fiscal e, não satisfeitos, ainda semeiam autorizações legislativas que, ao longo do ano, brotam em surpreendentes aumentos de impostos. Na iminência de novo ímpeto fiscal na Assembleia da República, o anúncio pela Câmara do Funchal da sua estratégia fiscal até 2025 merece reconhecimento. Em tempos tão voláteis, a previsibilidade do sistema fiscal é um dever que o Estado tem com o contribuinte e uma exigência para a atração de investimento. No Funchal, depois do ziguezague fiscal da anterior governação que redundou na falta de devolução de IRS, a garantia que, até 2025, todo o imposto disponível será devolvido aos contribuintes tem profundo significado político. O compromisso com a estabilidade fiscal, como o assumido pelo Município, deveria ser regra, mas é, infelizmente, exceção.
O mau: Just Stop Oil
O encontro imediato entre uma sopa de tomate enlatado e os girassóis de Van Gogh frustrou-se no vidro que guarda o quadro do pintor holandês. A performance, disfarçada de protesto contra as alterações climáticas, criou trincheiras entre os que nela viram um alerta necessário e os que ali identificaram uma profunda infantilidade. O problema do protesto não está na sua irreverência. Um protesto que não seja disruptivo será mesmo um protesto? A questão é, essencialmente, de coerência. As ativistas do “Just Stop Oil” reclamam da incapacidade dos governos de responder ao aumento do preço da energia e ao impacto que isso terá na vida das pessoas, bem como pelo lançamento de novas licenças para exploração de gás e petróleo. Até o mais míope ambientalista encontra uma profunda contradição nas causas do protesto. Não é possível reclamar do aumento das explorações energéticas e, ao mesmo tempo, queixar-se do aumento do preço da energia para os consumidores. O mundo idílico, romantizado pelo “Just Stop Oil”, em que a transição energética se faz de repente e sem custos para os cidadãos, encontra, na crise energética em que vivemos, uma resposta clarificadora. É óbvio que a descarbonização é – felizmente – um caminho sem retorno, mas não nos podemos esquecer que o aumento do preço da energia pesa no bolso dos países desenvolvidos. Mas pesa ainda mais nos países mais pobres.
O agente de viagens: Paulo Cafôfo
A elevação do secretário de estado das comunidades portuguesas a agente intercontinental de viagens começou em pleno Verão de 2022. A euroAtlantic iria assegurar voos diretos entre o Funchal e Caracas. O anúncio sussurrado por fonte fidedigna - estas conquistas soam sempre melhor quando são alvitradas por interposta pessoa - assegurava que o governante teria sido fundamental na viabilização da operação. Paulo Cafôfo não se fez rogado. Haveria oportunidades para investimento, entrada de empresas portuguesas na Venezuela, até a exportação de produtos regionais. Infelizmente, nem o milagre económico se fez, nem o avião levantou. A crítica a Cafôfo não será, certamente, pelo repetido adiamento da ligação aérea entre a Madeira e a Venezuela. Essa é uma cruz de quem tardou em autorizar a viagem e, agora, da companhia que a vai operar. O que é censurável na atitude do secretário de estado é a disponibilidade para surgir como facilitador de um processo que não controla, sobre o qual não tem competência e que, por esses factos, não poderia facilitar. Cafôfo não pode ser culpado pelo fracasso da ligação aérea, mas é responsável pela expectativa que criou na comunidade luso-venezuelana e que o abnegado secretário de estado não cuidou de acautelar antes do pomposo anúncio. Primeiro a política, depois as pessoas. Na verdade, a precipitação mediática de Paulo Cafôfo repete-se amiúde. Outra vez a propósito da Venezuela, mas desta feita à custa da TAP. Primeiro, a CEO da companhia aérea portuguesa que acompanharia Cafôfo a Caracas. A viagem foi adiada por motivos imponderáveis. Perante novo debacle, nova espiral de anúncios. A TAP estaria interessada em realizar mais ligações aéreas à Venezuela e, não fosse isso voo rasante suficiente, atirou que Caracas poderia ser estratégica para a companhia aérea nacional. A TAP que Cafôfo sonhou é a mesma que o Governo quer privatizar até 2023 e que Pedro Nuno Santos garantiu, dias depois, não ter mais aviões para alocar à Venezuela.