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Sede de justiça

Tenho sede de justiça. Rui Barbosa, político brasileiro, defensor da Liberdade e dos direitos civis e da abolição da escravatura no Brasil, proferiu as seguintes palavras em 1914: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

Mais de um século depois destas palavras serem proferidas, partilho sem retirar uma vírgula este pensamento.

Existe uma cultura generalizada no nosso país, e o que é mais preocupante aceite por uma grande maioria da população, que a falsidade rende, que quem trafulha e aldraba e se sai bem é esperto e admirado. Isto para não falar dos egos inflamados daqueles que pensam que são mais do que os outros porque conhecem este ou aquele personagem de destaque na sociedade.

É justamente esta cultura de admiração do chico-espertismo e do ilusionismo de estar perto de “gente de poder” que favorece os atropelos à justiça, pois pecamos por palavras, atos e omissões.

A justiça, tal como a liberdade e os direitos cíveis, nunca estão garantidos. Precisamos de estar atentos. Vejamos os casos tornados públicos de abusos sexuais na igreja. Porque não fui alvo de abuso sexual junto de membros da igreja católica, ou de outras igrejas, não devo ser solidária com quem foi? Devo remeter-me ao silêncio e ao meu canto para não ser incomodada por incomodar “os poderosos”?

Sou católica. Mas, tal como outras coisas na vida, não sou fanática e sei que a igreja na terra é conduzida por homens que podem errar. O acreditar em Cristo não me impede de raciocinar sobre o comportamento dos padres, bispos, arcebispos, cardeais ou mesmo do Papa. Há deles que nutro amizade e há outros que não sei o que lá fazem. O verdadeiro cristão exige justiça e luta pelo que considera ser “o bem”. Não se pode admitir que homens adultos abusem de crianças e jovens, sejam eles padres ou não, mas muito menos padres pela responsabilidade moral que aceitam ter quando se ordenam. Todos os casos devem ser julgados e os culpados devidamente castigados.

Se um predador sexual sem ser padre é impedido legalmente de ter contacto com crianças e jovens, um padre muda de paróquia e arma-se uma tramoia para esconder o acontecido?

Marcelo cometeu um erro ao tentar exercer a sua magistratura de influência procurando reduzir a gravidade dos abusos sexuais da igreja portuguesa comparando a situação existente em Portugal com outros países. Pediu desculpa a todos “os eventuais visados”. Oh… Marcelo, não faças outra.

Mas, este “acontecimento” fez esquecer um outro, tão grave, quanto este e já esquecido pela maioria das pessoas. Na semana anterior a esta bacorada, Marcelo assumiu que teve a iniciativa de contactar o bispo José Ornelas para lhe dizer que “não foi pessoal” a denúncia contra ele que encaminhou para o Ministério Público. Mas que mania neste país de avisar quem vai ser auditado ou investigado. Oh… Marcelo, nem imaginas o que transmitiste com esta atitude.

Todos estes casos têm de ser julgados e devidamente punidos e não é com “avisos” amigáveis que se vai lá. Mas é aceitável os avisos de auditoria e de investigação criminal de grandes instituições ou dos “ilustres”? Também não está a ajudar nada as declarações do bispo do Porto, Manuel Linda. Aliás, sempre aprendi na catequese que tanto é culpado o prevaricador como o consentidor. Nesta busca pelos prevaricadores, não pode haver água benta. Há que limpar este cancro da igreja.

Quem pecou, deve penitenciar-se. E tem de ser julgado e condenado, sendo certo que ninguém escapa da justiça divina.

Neste momento, só peço que se deixem de politiquices e doutras cenas e deixem a polícia judiciária fazer o seu trabalho. Não interfiram com a investigação. Desejo que quem está envolvido neste trabalho o faça livremente sem pressões e que os culpados sejam julgados e condenados. Sejam eles quem forem. Com Prémio Nobel da Paz ou não. Haja limpeza. Se isto não ocorrer, o resultado será muito pior. Fingir que não há problema nunca foi solução.

Como cristã, estou a fazer a única coisa que posso fazer neste caso - partilhar publicamente a minha opinião de que estas situações são inadmissíveis e, com isto, pressionar quem de direito que é preciso justiça.