Virar o bico ao prego (2)
A história, hoje, é bem mais profunda e densa do que nomes e datas
(Toda a verdade sobre a recuperação do tempo de serviço na RAM)
No texto do passado mês de setembro, abordei a arte de distorção da realidade pelo Ministro da Educação, no que diz respeito à recuperação do tempo de serviço dos professores e dos educadores da RAM. Através desse artifício, procurou justificar o injustificável: o roubo de mais de 6 anos de tempo de serviço, efetivamente, prestado pelos professores do continente, que continua a não ser considerado para efeitos de progressão na carreira.
No entanto, também na RAM se tem virado o bico ao prego sobre as causas e sobre os responsáveis da reposição desta justiça, ainda que num processo demasiado longo (entre 2018 e 2025). É certo que, sempre, haverá razões e intervenientes diversos, mas escandaloso seria deixar de fora quem, nas escolas e na rua, lutou para que a injustiça passasse a fazer parte da história. Alguns ainda têm a tentação simplista de tudo explicar pela ação da vontade suprema dos governantes. Porém, a história, hoje, é bem mais profunda e densa do que nomes e datas: a história também é feita a partir de baixo, ou seja, do ponto de vista e da ação de heróis anónimos.
Também no processo da recuperação aconteceu isso. Os nomes são muitos e correspondem a centenas, senão milhares, de professores e educadores espalhados por todas as escolas da RAM. Aqui encaixaria, na perfeição, a metodologia do narrador de Memorial do Convento para, na impossibilidade de citar todos os construtores daquela obra monumental, não esquecer nenhum: referir um nome por cada letra do abecedário. Eu simplifico ainda mais, incluindo, na concretização da recuperação do tempo de serviços dos professores, todos os que cabem, alfabeticamente falando, entre Aarão e Zuriel.
É certo que muitos desses nomes são de professores e educadores que, em setembro de 2017, não só estavam descrentes da reposição da justiça, como afirmavam, convictamente, aos dirigentes do SPM, que num vórtice estonteante, visitavam as escolas da região, que, na RAM, aconteceria o que acontecesse no continente, esquecendo a autonomia regional, no que à educação diz respeito. Era o peso da tradição a condicionar a razão. Na verdade, na transição do estatuto nacional para o regional, processo iniciado em 2008, pouco ou nada houve que permitisse distinguir um do outro.
Porém, os tempos eram de mudança e a turba esquecida e anestesiada ao longo de 9 anos, 4 meses e dois dias, estava prestes a acordar e a acreditar que aquele era o momento de tirar o leme da história das mãos dos governantes e de dar-lhe um novo rumo.
Se setembro foi tempo de acreditar, outubro revelou a força da torrente que haveria de mudar a história da luta dos professores e educadores na RAM.
(Continua)