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Eleitores de Meloni rejeitam regresso do fascismo mussolinista

Foto EPA/ANGELO CARCONI
Foto EPA/ANGELO CARCONI

As gentes de Sant'Anna di Stazzema pagaram em 1944 um alto preço pelo combate ao nazismo alemão e fascismo italiano, mas os seus descendentes elegeram em massa a nova primeira-ministra Georgia Meloni - cujo partido tem raízes em movimentos fascistas.

"Os meus concidadãos não são fascistas!", exclama à Lusa Maurizio Verona, eleito pelo centro-esquerda presidente da Câmara de Stazzema, uma tranquila vila nos montes Apeninos toscanos.

Num dos últimos e mais brutais episódios da 2.ª Guerra Mundial em Itália, em 1944, soldados nazis e colaboracionistas italianos mataram 560 habitantes na aldeia de Sant'Anna di Stazzema, incluindo dezenas de crianças, para impedir que a população continuasse a ajudar os guerrilheiros 'partizan' muito ativos naquela área.

Nem as múltiplas placas e monumentos alusivos ao massacre nazi-fascista nas ruas da vila toscana impediram que nas últimas eleições os votantes nesta vila de pouco menos de 3 mil habitantes tenham colocado em primeiro lugar, com 32% dos votos, o partido de Meloni, Irmãos de Itália (FdI, na sigla em italiano), que integra ex-membros do Movimento Social Italiano, herdeiro do fascismo de Benito Mussolini.

Para o edil, Maurizio Verona, os eleitores simplesmente não identificaram o FdI "com um partido neofascista".

"Se tivessem identificado [o FdI como neofascista], tenho a certeza de que Meloni teria ficado com 1% aqui", diz à Lusa.

Os 26% que o FdI teve a nível nacional, considera, "também incluem uma pequena percentagem de fascistas nostálgicos", mas "a maioria votou em Meloni porque foram conquistados pela linguagem, pela política e, sobretudo, pelo facto de que eles têm sido consistentes em não querer formar um governo com a esquerda".

Com exceção de algumas circunscrições eleitorais no centro do país que permaneceram nas mãos da esquerda, e muitos no sul que foram para o Movimento Cinco Estrelas, quase todas escolheram o FdI.

Apesar de relativizar a vitória de Meloni, Verona considera que a atenção deve ser "mantida elevada", relembrando a presença da nova primeira-ministra na conferência do partido ultranacionalista espanhol Vox.

"Ela é amiga de Orban, de Le Pen... devemos garantir que os direitos e liberdades de todos sejam sempre respeitados", adiantou Verona à Lusa.

Em Roma, o FdI obteve 30% dos votos no bairro Eur, também ele símbolo do fascismo: foi inteiramente construído por ordem de Mussolini em 1942, por ocasião da exposição universal na capital italiana.

Hoje, abriga escritórios e empresas e nas suas imediações vive parte da classe média da capital. No mercado deste distrito, a chegada de Meloni é vista com otimismo cauteloso.

Rosa, 75 anos, trabalhou toda a vida como escriturária e assume que votou em Giorgia Meloni "porque era hora de mudar e ela pode fazer melhor que [o antecessor, Mario] Draghi".

"Não votei porque me considero fascista. Mussolini está morto e enterrado e não voltará. Ele certamente fez coisas boas, o erro dele foram as leis raciais", disse Rosa, na semana em que passam 100 anos desde a marcha sobre Roma, que levou ao poder o ditador fascista.

Franco, 64 anos de idade e ex-funcionário dos correios, afirma que seu avô também era fascista e também assume o voto em "Giorgia", por "confiar nela" e na sua vontade de "trabalhar para o país".

"Hoje, há poucos fascistas reais por aí e de qualquer forma eles não votam em Meloni, eles votam [em partidos como o] Forza Nuova, que nem entram no parlamento", diz à Lusa, sublinhando ter votado anteriormente no Partido Democrático (centro-esquerda) e no movimento populista Cinco Estrelas.

Pietro Salvatori, jornalista político do site Huffington Post Italia, afirma que os votos de Meloni vieram em grande parte de ex-eleitores da Liga de Matteo Salvini - agora parceiro minoritário no Governo, juntamente com a Força Itália de Silvio Berlusconi.

No nordeste do país, o FdI ultrapassou 30% em alguns bastiões eleitorais da Liga em 2018, por ter "conseguido falar sobretudo com as classes produtivas" locais.

"Os eleitores de Giorgia Meloni pedem crescimento económico, estabilidade, segurança e impostos mais justos", disse à Lusa Salvatori.

Agora que, no passado sábado, tomou posse como primeira-ministra, "vem a parte difícil para ela", adiantou.