Crónicas

Liberalismo reformista

A Madeira e a sua Autonomia estão doentes. Muito doentes. Uma+ das maleitas é uma espécie de cancro político. Dá pelo nome de PSD.

1. Disco: Architects, “The Classic Symptoms of a Broken Spirit”, electrónica e guitarras potentes. Metalcore do melhor, cheio de riffs que ficam no ouvido trazidos por uma banda que teve sempre a ambição de deixar marca. Imprescindível para os apreciadores do género.

2. Livro: “Humor”, de Terry Eagleton, é uma leitura óptima. Sim, também leio marxistas. Gosto de conhecer os meus adversários, principalmente quando são intelectualmente honestos. É este o caso.

3. O liberalismo surgiu como protesto, como um meio de reformar uma ordem monárquica autoritária que negava a liberdade individual em todas as esferas — política, económica, social, religiosa e até ética. Não só o liberalismo está enraizado na reforma, como é, na sua essência, a própria reforma. O reformismo é o acreditar que todos os esforços devem ser direccionados para aquilo que precisa ser mudado (como a economia, o sistema de saúde, a sociedade, o Estado ou o que for). Quem entende que uma máquina velha é boa e só precisa de uns ajustes para torná-la perfeita, parou no tempo. Quem decide não haver nada de errado com uma instituição disfuncional, que só precisa de uma mudança de liderança, uma alteração de perspectiva, umas cosméticas na lei, uma proibição aqui e um relaxamento ali, está longe de ser reformista. É isto em que, depois de um fôlego inicial, se transformou o sistema político regional e a Autonomia. Quem pode e deve, não os tem no sítio para liderar reformas, que são, cada vez mais necessárias. Ser liberal difere de ser conservador, pois este admite restrições à liberdade política em nome da tradição, da organização social e do cepticismo político. Os conservadores, que podem ser economicamente liberais (liberistas como lhes chamou Merquior) acreditam que o saber político tem natureza histórica e colectiva (o povo a prevalecer sobre o cidadão) e reside nas instituições que passam no teste do algodão do tempo. Acreditam que o todo social, a sociedade, é maior que a soma dos seus membros, e tendo assim um valor muito superior ao do indivíduo. Desconfiam do pensamento e das teorias aplicados à vida pública, especialmente quando orientadas para a inovação. O liberalismo, sob uma perspectiva reformista, modifica o significado das ideias-chave de liberdade e igualdade. Os liberais clássicos concentram-se na liberdade negativa, na liberdade como a ausência de interferência sobre o indivíduo. Muito certo. Os liberais reformistas concordam que a liberdade de ser deixado em paz (“liberdade negativa”) é importante, mas acrescentam um requisito positivo: para um indivíduo ser verdadeiramente livre, tem de ter uma capacidade real de porfiar pelos seus objectivos de vida. Onde os liberais clássicos vêem a igualdade em termos de direitos iguais, os liberais reformistas argumentam que, sim, direitos iguais são importantes, mas também temos que ter oportunidades iguais. Por exemplo, o 'direito' de obter uma educação universitária é inútil, a menos que existam oportunidades significativas de agir de acordo com esse direito. A resposta padrão da reforma liberal à questão de como criar liberdade “positiva” e “igualdade de oportunidades”, envolve um papel muito mais activo para o governo, do que o imaginado pelos liberais clássicos. A equidade liberal introduz o reformismo, ao determinar que a acção do governo deve visar a criação de oportunidades para a realização do usufruto pleno dos direitos civis. É condição jurídica e política, que permite que os cidadãos gozem de um estatuto de igualdade de direitos. A ideia liberal de reformismo procede, removendo, os obstáculos à realização da condição civil e fornecendo os recursos jurídicos e materiais para o exercício dos direitos de cidadania. Essa interpretação não é autoevidente, especialmente em tempos em que outras autoproclamadas tendências pretendem representar toda a tradição liberal. O reformismo liberal é uma base vital para a democracia. Vou ainda mais longe, a própria sobrevivência da democracia depende do seu enraizamento no liberalismo. “A verdadeira e efectiva liberdade individual não pode existir sem segurança económica e a independência que ela proporciona. Homens necessitados não são homens livres”, disse Franklin Delano Roosevelt. O direito a um bom emprego, à alimentação, ao vestuário, ao desassossego, ao divertimento, à cultura, à habitação, à saúde, à educação e à segurança económica na velhice, são aspirações que fazem parte de uma a visão liberal reformista do papel do governo e, como tal, do Estado. Ser liberal não é só pensar o todo sob a perspectiva económica. As questões sociais e políticas têm, também, uma enorme importância. Sei que já escrevi várias vezes sobre isto, mas nunca é demais recordar: voto universal, separação de poderes, sistema de pesos e contrapesos, liberdade de associação, de expressão e religiosa, respeito pela propriedade privada e pelo mercado livre, alternância pacífica de governos, etc. Em qualquer noção de liberalismo, para que este o seja verdadeiramente, todas as esferas da ordem económica, política e social têm de ser abordadas. Todas.

4. A Madeira e a sua Autonomia estão doentes. Muito doentes. Uma das maleitas é uma espécie de cancro político. Dá pelo nome de PSD. Um crescimento anormal do cartão partidário nos cargos políticos, e não só, carcome e corrói por dentro toda a região e a sua maior e mais bela conquista. Mas o diagnóstico não se fica por aqui: a outra doença é auto-imune. Reconhece-se como PS. Caracteriza-se por uma disfunção no sistema imunológico que leva a que os seus membros se ataquem uns aos outros, rejeitando-se. Há também outro partido que é uma espécie de apendicite, mas que é de pouco valor. Com isto, votando ora nuns, ora nos outros, como podemos ambicionar ao desenvolvimento e à criação de riqueza?

5. Ainda sobre o LIDL na Cruz Vermelha. O Presidente da Câmara do Funchal, disse que "houve (…) alguma pressão por parte dos vendedores." Como se fosse só essa pressão que houve. Não foi senhor Presidente? A CMF quer que o projecto tenha “uma área que não seja puramente comercial”. Tomem nota: a tal parte “não comercial”, vamos ver por quem será feita. Em parceria ou não. E não se esqueçam que leram aqui primeiro.

6. Quem não tem rendimentos, não tem direito a nenhum apoio do Costa. Ou seja, salvo casos pontuais, os mais desvalidos de todos os portugueses, não têm direito a receber os tais de 125 €. Ou seja, os que recebem mais de 2700 € brutos por mês e os que não têm rendimentos, fazem parte do mesmo grupo. Que raio de socialismo este. Fico sem palavras.

7. Tenho o meu coração a meia haste. Não sou da mesma família política de Adriano Moreira, mas junto-me aos que pensam que morreu um dos melhores de nós.

8. A falta de capacidade de indignação não é mais que outra forma de desumanização.

9. “O seu colega Adam Smith, travestido, no nosso tempo, como um defensor do mercado livre de coração empedernido, também encara o espírito do comércio como debilitante, e tanto ele como Ferguson subscrevem aquilo a que Bryson chama «uma ética do sentimento». Smith é um entusiasta da imaginação compassiva e empática, e, por conseguinte, está tão preocupado com as trocas espirituais como com as comerciais. Termos empatia para com os outros é pormo-nos a nós próprios no lugar deles. Podemos transaccionar-nos a nós mesmos, tal como os nossos produtos, com os nossos concidadãos e, para o Homem de Sentimentos do século XVIII, essa receptividade face ao sofrimento ou à satisfação de outrem tornou-se quase um culto patológico da sensibilidade.” - Terry Eagleton, in Humor.