Artigos

Uma luta de todos

Ninguém é verdadeiramente livre se não tiver acesso às mesmas oportunidades e condições do que outros. Fica sempre condicionado por um espartilho de opções, que enviesam aquilo que de mais básico o ser humano deve ter. As pessoas devem ser recompensadas através da meritocracia e da sua capacidade em empreender o que ambicionarem. Enquanto assim não for, nunca teremos uma sociedade justa e equitativa. Embora sobretudo nos países mais desenvolvidos tenham sido dados passos seguros nesse sentido, desengane-se quem acha que está tudo feito e que atingimos um ponto de equilíbrio perfeito. Nem devemos ver o mundo trancados com os olhos dentro da nossa bolha, fingindo que nada temos a ver com o que se passa, um pouco por toda a parte. Eu que vivi em África, sei o quanto a sociedade por lá ainda continua a ser profundamente machista, salvo raras excepções e o quão difícil é ser-se mulher, respeitada de forma igual e vista dentro de um enquadramento que não permita fazer distinção de género, no livre acesso à educação ou ao emprego.

Temos assistido nos últimos tempos à revolta das mulheres no Irão, país onde as diferenças continuam a ser assustadoras e retrógradas. A obrigação de usar hijabs é no fundo só a ponta do véu, numa sociedade que vota o sexo feminismo a uma posição subalterna, humilhante e ofensiva. E num caso como este, a única forma de resolver o assunto, de conquistar direitos e de não se calarem perante tantas injustiças e agressões tinha que partir exatamente das próprias pessoas que sofrem com isso todos os dias. São elas, por esta altura as verdadeiras heroínas da sociedade, que graças também à comunicação global que hoje chega a todo o lado, não se conformam perante o estado vigente e lutam, correndo perigo de vida, pelo seu futuro, das suas filhas mas também pelo futuro de um povo, que teima em não reconhecer essa mesma equidade. Nós enquanto participantes do mesmo mundo temos o dever de as apoiar, de lhes dar a voz que elas precisam e de espalhar a mensagem que as próprias vão difundindo. E a mensagem é clara. Já chega desta visão caduca e bacoca, chega de tratar de forma desigual quem é igual a nós. Esta é por isso uma oportunidade de ouro para o empoderamento feminino nesses países, que todos sem exceção devemos apoiar, para que não haja qualquer hipótese de uma recaída.

Mas esta é também uma oportunidade de ouro para olharmos para o nosso próprio umbigo e vermos o que nos falta ainda fazer na nossa sociedade, no nosso circulo de amigos, em nossa casa. Não, esta não é só uma missão dos outros nem é uma missão só delas, é uma obrigação de todos. Não vale a pena taparmos o sol com a peneira e achar que as diferenças só existem lá longe e que por cá vai tudo bem. A começar pela religião e pela igreja que prega a igualdade e a justiça mas depois não dá às mulheres o mesmo protagonismo do que aos homens. Como querem passar uma mensagem de justiça e de ensinamento para os mais jovens, se dentro da própria instituição não dão o exemplo? Como é possível no século XXI ainda castrar as mulheres de certos postos, posições ou funções? É a isso que chamam liberdade? É isso que é justiça? Não é. E nós temos que olhar para o tema de forma séria. Não é também com femininismos quadrados, de acharem que as mulheres se devem juntar contra os homens independentemente de terem razão ou não, que vamos lá. É sermos justos com homens e mulheres, tirarmos do papel aquilo que julgamos estar adquirido e colocar em prática no nosso dia a dia, nas nossas próprias funções, enquanto membros da sociedade. Há muito ainda por fazer a começar nas condições que damos às mesmas para serem mães, recompensá-las pelo seu sacrifício e pela sua função única e que deveria ser gratificante e não alvo de punições ou de prejuízos.

Enquanto não evoluirmos, não tivermos capacidade emocional para lidar com esta nova realidade nunca nos poderemos advogar como sociedade plena e em permanente construção. Às vezes, aquilo que falamos não é acompanhado por aquilo que fazemos, prometemos mas não cumprimos, fingimos que já está tudo bem e que o problema está resolvido, quando não está. A mulher com as devidas diferenças dos homens, porque são seres diferentes, têm direito a um espaço igual, a um palco do mesmo tamanho, a um futuro com sonhos do mesma amplitude. Aquilo que nos distingue são as nossas atitudes, a nossa capacidade de atingir, de ultrapassar barreiras, de chegar a onde queremos mas para isso temos que ter a obrigação de correr o mesmo. Somos nós que temos que passar esse exemplo aos mais jovens para que daqui a uns anos este já não seja mais um tema. Isso faz-se com disponibilidade para em alguns casos perdermos protagonismo e noutros, termos a disponibilidade intelectual suficiente, para admitir que elas são melhores em tantas coisas e que o equilíbrio estará mais próximo, quando o mérito for a única condição que nos premeia.